No dia 27 de março de 1921, nascia, em Campinas, Moacyr Barbosa, que se tornaria o famoso goleiro Barbosa, um dos principais jogadores do “Expresso da Vitória”, apelido que a equipe do Vasco da Gama recebeu ao colecionar uma série de títulos na década de 1940. Barbosa também foi o goleiro titular da seleção brasileira durante a Copa de 1950.
Tal como aconteceu com outros talentosos jogadores negros, Barbosa rapidamente se tornou um ícone do futebol profissional de sua época. Iniciou sua carreira em São Paulo, destacou-se no CA Ypiranga e passou ao Vasco da Gama no ano de 1945. Além de ágil, elástico e capaz de assumir bons posicionamentos na pequena área, Barbosa era conhecido por ser alegre e carismático. Essa combinação lhe rendeu destaque na imprensa, tornando-o um craque cujo sucesso deveria ser acompanhado nos periódicos da cidade.
A participação na Copa do Mundo de 1950 ampliou significativamente sua exposição midiática, mas, após os gols de Schiaffino e Gighia, que garantiram o título à seleção do Uruguai, o tom laudatório até então associado à sua imagem foi substituído. E aos poucos o goleiro passou a ser representado como um dos responsáveis, se não o principal deles, pela derrota no torneio.
Nos anos que se seguiram foram muitos os documentários, matérias jornalísticas, fotografias e até filmes ficcionais que repetiram, por décadas, não apenas os gestos de Barbosa ao levantar-se depois da tentativa de alcançar a bola chutada por Gighia, mas também o choro de alguns jogadores e torcedores ao final da partida. A reprodução dessas imagens ensinou (e ainda ensina) um modo de ver e de compreender aquele momento.
Foram necessários muitos anos até que se tornasse possível descortinar a face racista dessa narrativa que, embora não tenha sido a única, acabou se tornando a hegemônica.
Em verdade, essa narrativa estava associada a um certo repertório cultural e político que, nascido no início do século XX, compreendia o elemento negro da sociedade a partir do restrito espaço por ele aberto no universo das artes e de esportes. Nele, as imagens de mulheres e homens de pele negra figuravam como símbolos destinados a entreter ou a encantar segmentos médios e altos da sociedade. E qualquer frustração a essa expectativa tornava o racismo ainda mais agudo.
É nesse sentido que se torna possível compreender por que o título de vice-campeão mundial de 1950, os seis títulos estaduais defendendo o Vasco da Gama e o importante título de campeão sul-americano conquistado em 1949 não são os eventos mais lembrados da trajetória de Barbosa. O mesmo pode ser dito do tratamento ainda hoje dispensado aos jogadores negros que nas páginas dos jornais ora figuram como heróis, ora como vilões, independentemente do conjunto de suas trajetórias.
Se descortinar o racismo na narrativa da derrota de 1950 levou tempo e dependeu de muitos esforços, eles se farão novamente necessários para que olhares antirracistas comecem a visitar essa história. No ano do centenário de nascimento de Moacyr Barbosa, o Museu do Futebol contribui com essa perspectiva ao preparar uma exposição temporária dedicada ao goleiro. Com abertura prevista para o final do primeiro semestre de 2021, a exposição procura oferecer elementos novos para abordar a trajetória de Barbosa e, com ela, dos protagonistas negros no futebol. Na justa homenagem ao goleiro, quem ganha é a História do Futebol.
Para saber mais sobre o goleiro Barbosa:
- ABRAHÃO, Bruno Otávio de Lacerda; SOARES, Antonio Jorge Gonçalves. O que o brasileiro não esquece nem a tiro é o chamado frango de Barbosa: questões sobre o racismo no futebol brasileiro. Movimento, Porto Alegre, v. 15, n. 2, 2009. https://museudofutebol.org.br/crfb/acervo/578524/
- DREWNICK, Raul. O goleiro fantasma. São Paulo: Lazuli; Companhia Editora Nacional, 2011. 176 p. https://museudofutebol.org.br/crfb/acervo/586499/
- FREITAS, Bruno. Queimando as traves de 50: glórias, castigo de Barbosa, maior goleiro da era romântica do futebol brasileiro. Rio de Janeiro: iVentura, 2013. https://museudofutebol.org.br/crfb/acervo/588096/
- MORAES NETO, Geneton. Dossiê 50: um repórter em busca dos onze jogadores que entraram em campo para serem campeões do mundo em 1950, mas se tornaram personagens do maior drama da história do futebol brasileiro. Rio de Janeiro: Maquinária, 2013. 158 p. https://museudofutebol.org.br/crfb/acervo/588096/
- MESQUITA, Alexandre; ALMEIDA, Jefferson. Um expresso chamado vitória. Rio de Janeiro: iVentura, 2010. 238 p. https://museudofutebol.org.br/crfb/acervo/535585/
- SIMON, Luís Augusto. Os 11 maiores goleiros do futebol brasileiro. São Paulo: Contexto, 2010. 256 p. https://museudofutebol.org.br/crfb/acervo/527454/
- SOUTO, Sergio Montero. Os três tempos do jogo: anonimato, fama e ostracismo no futebol brasileiro Rio de Janeiro: Graphia, 2000. 99 p. https://museudofutebol.org.br/crfb/acervo/495066/
- MUYLAERT, Roberto. Barbosa, um gol faz 50 anos. São Paulo: RMC, 2000. 221 p. https://museudofutebol.org.br/crfb/acervo/501484/
- MUYLAERT, Roberto. Barbosa, um gol silencia o Brasil. – São Paulo: Bússula, 2013. 220 p. https://museudofutebol.org.br/crfb/acervo/528514/
- TAVES, Rodrigo; NOGUEIRA, Cláudio. Os dez mais do Vasco da Gama. Rio de Janeiro: Maquinária, 2011. 184 p. https://museudofutebol.org.br/crfb/acervo/508661/
- VASCONCELLOS, Jorge. Recados da bola: doze depoimentos dos mestres do futebol brasileiro. São Paulo: Cosac Naify, 2010. 240 p. https://museudofutebol.org.br/crfb/acervo/527832/
Diana Mendes
Coordenadora do Centro de Referência do Futebol Brasileiro.