Por André Telucazu Kondo
Sou ex-jogador de futebol, ex-artilheiro. De mendigo, tem muito ex. Tem ex-rico, ex-doutor, ex-amado. Só não tem ex-pobre. Dizem que a felicidade é como uma bola de futebol, todo mundo quer, mas quando ela chega, a gente chuta pra longe.
Eu jogava por dinheiro. Nada contra, mas era só pelo dinheiro. E como era só cifrão, quando passei a dar prejuízo (sem gols) fui chutado. De time da primeira, caí pra segunda. Fui recebido como herói de primeira pelo time de segunda. Mas não fui legal. Marquei nada e fui chutado. Na terceira já me receberam como jogador de segunda, era só não marcar touca. Não marquei… gol. Sei lá, minha cabeça girava mais do que a bola. Engraçado é que todos esses anos de futebol não me deixaram grana alguma.
Gastei tudo. Nem pergunte como.
Fora de campo é triste. Arquibancada vazia. Holofotes apagados. Fim de jogo.
Com o papelão que fiz da vida, virei catador. Não dava mais carrinho no adversário, agora era o carrinho que dava em mim. Eu era um cavalo em campo, e continuei animal de tração pelas ruas. Catava papelão, latinha e mandava tudo pra reciclagem. Precisava mesmo me reciclar. Pra ser sincero, foi um segundo tempo bem triste…
Foi no fim de um dia de trabalho é que vi que o jogo ia ter prorrogação. Entre um gole e outro, fui reconhecido. “Você não é o tal jogador tal que jogou no time tal e qual?” Era. O rapaz era caminhoneiro e jogava de vez em quando em um time amador lá no Norte. “Bora jogar”. Acontece que eu não jogava mais. “Quem já foi rei nunca perde a majestade”. Faz tempo que ninguém puxava meu saco. Aceitei com uma única condição…
Em Manaus, comecei a disputar o maior campeonato do mundo! São mais de 500 times disputando o Peladão! Nunca imaginei que fosse viver uma emoção maior do que jogar no Maracanã. Aqui, não se joga pelo dinheiro, joga-se apenas. Joga-se tudo, corpo e alma.
Continuo sem dinheiro. E daí? Quando era rico, o amor tinha cifrão. Agora é amor verdadeiro. Meu time vai entrar no Vivaldão. Milhares nas arquibancadas. É a final do Peladão. Todo mundo quer mais é ver gol. É o momento da consagração. Faz muito, muito tempo que não marco. É a minha condição: nunca mais tenho a obrigação de marcar gol. Não quero pressão. O jogo está 2 a 2. Vai, não vai. Vai para cobrança de pênaltis.
Última série de batidas. O pênalti é meu. Esse pênalti decide. Sei que se falhar acaba o jogo, sei que se eu errar a gente perde. O chute, redondinho, venenoso. A trajetória é pra gol feito, perfeito. É pra entrar, é pra entrar. A arquibancada se levanta. Em um segundo tudo muda. A bola é o mundo agora, a bola é tudo o que importa, a bola é a própria felicidade. Se ela entrar…
O GOLEIRO DEFENDEU.
O estádio vai abaixo. Festa de um lado. Tristeza de outro… Assim é a vida. Alguns ganham, outros perdem. Sorrisos e lágrimas. Todo mundo do meu time chora. Eles apontam para mim. Eles correm na minha direção, aos gritos. É o momento de pagar todas as dívidas e erros. E paguei.
Sou jogador amador, jogador que ama. Sou do povo. Nunca mais vou chutar nada pra longe de mim. Nem pra tiro de meta. Agora é só na mão, com carinho. Não largo a bola, não largo mesmo. Goleirão, agora agarro a felicidade com ambas as mãos, abraço apertado. Nunca mais largo a felicidade! Nunca mais!
Texto contemplado no 3º Concurso de Crônicas do Museu do Futebol – 2024 (4º ao 20º lugares)