Ilustração com fundo laranja mostrando desenhos de pessoas jogando futebol amador, e o título 3º Concurso de Crônicas do Museu do Futebol

Por Ricardo Ferrer 

Aquela temporada foi emblemática. Pela primeira vez, o relatório que circulava todo início de campeonato ─ e que apontava a ordem dos favoritos ao título, com base no investimento e organização das SAFs ─ acertou precisamente a ordem da tabela final de classificação, do primeiro ao sétimo lugar. Nos dois anos seguintes, a precisão foi aumentando a tal ponto que imediatamente à divulgação do relatório, a pequena, mas animada tecno-torcida do time do topo da lista, saía às ruas comemorando o título, com 38 rodadas de antecipação.

Rapidamente, os repórteres que cobriam a saída dos vestiários, começaram a cobrir a saída dos conselhos de acionistas dos times-empresas, e, cada vez mais, os programas esportivos davam espaço aos balancetes e aos lances dos executivos-cartolas.

No quarto ano, a reportagem denúncia que deveria causar comoção pública foi recebida de forma lacônica: não havia mais torcida espontânea nos estádios, as empresas-time mandantes contratavam suas tecno-torcidas-organizadas, enchendo mais ou menos os estádios, de acordo com a precisa medida que os algoritmos solicitavam para alcançar o resultado. O futebol estava morto, alguém decretou.

Até que…

Um vídeo feito pelo filho do Hélio Paçoca, capitão do Estrela Prateada do Grajaú, viralizou nas redes. Era a final do campeonato paulista de várzea, um jogo eletrizante, com duas viradas. Festa dos donos da casa, 4 a 2 contra o Biriba, do Imirim.

O simplório estádio estava lotado e animado. Vivo. O jogo foi truncado, com momentos de pura grosseria, e alguns lampejos de genialidade de ídolos anônimos. Logo, os jogos passaram a ser assistidos pelas redes sociais por um público maior, carente da emoção do futebol. Os jornalistas e repórteres começaram a cobrir os campeonatos regionais e nacionais da várzea como cobriam antes os times profissionais.

Um fenômeno novo aconteceu, algo difícil de ser explicado por especialistas e analistas, mas uma chave virou no cenário futebolístico. O que antes era o palco principal foi se apagando anêmico de emoção. A vitalidade foi reencontrada onde tudo começou: nas periferias, nos campos de terra, no esforço do diário de quem faz dupla jornada e joga uma pelada nas folgas, na carência do povo e no espírito de irmandade que surgia da dificuldade.

Um dia, o craque do time inglês, Gabriel da Cruz, lembrou das suas origens. Estava rico, famoso e saudável, mas triste de futebol. E anunciou para espanto de todos, que no auge da carreira, ele abandonaria o profissional para jogar no Resistência, da Água Branca.

Era na várzea que se via aquilo que era autêntico, criativo, inesperado, impreciso. Um jogo de erros em que a genialidade aparece no jeitinho em meio ao tumulto, na caneta que se dá no adverso da vida. O chapéu na injustiça. Sempre foi assim, a várzea periférica era a fagulha da qual toda pompa e grana do profissional se alimentava, e nada voltava em troca. Porém algo mudou naquele momento, os ponteiros se inverteram e atenção voltou-se para a fonte.

Epílogo
Com a atenção gerada pelo novo reforço, uma multinacional francesa chegou com uma mala de dinheiro para comprar o Resistência F. C.

Seu Chico, presidente da agremiação, escorraçou a turma apática de terno.

Essa virada vocês não vão nos dar.

(Baseado em fatos ideais)

Texto contemplado no 3º Concurso de Crônicas do Museu do Futebol – 2024 (4º ao 20º lugares)