Ilustração com fundo laranja mostrando desenhos de pessoas jogando futebol amador, e o título 3º Concurso de Crônicas do Museu do Futebol

Por Francisco Falabella 

Mamãe, orgulhosa, não se aguentava quando me via durante a missa. O entusiasmo era enorme. No entanto, a minha devoção tinha um motivo diferente da religião: o futebol. Os coroinhas podiam jogar de graça na quadra da igreja e não só isso; disputavam o campeonato dos times de várzea do bairro, com lanche e uniforme. Muito antes de pleitear o reino dos céus, eu queria era uma vaga no time dos coroinhas.

Os jogos aconteciam nas manhãs de domingo. Na pelada da igreja, era proibido falar palavrão. Os meninos usam termos diferentes, mas a forma que era falada soava ainda pior: Tomate Cru, Ponte que caiu, Filho da Pulga… Por isso, o padre elaborou novas regras: o futebol deveria ser jogado em silêncio; carrinho, empurrão e chute de dedão eram proibidos. O gol só poderia ser comemorado se fosse em glória a Deus. O padre era atento, marcava em cima, um pequeno deslize já era suficiente para que um menino fosse expulso da partida. Comandante disciplinador, ele queria ver jogo limpo.

Naquela tarde, Padre Marcondes reuniu os meninos no centro da quadra e fez a oração final. Notei que o Moisés me olhava torto. O coroinha ainda estava injuriado com o último gol. Após a reza, ele andou em minha direção. Eu não dei bola e descia a rua, junto com os meus amigos. Foi quando eu abri o portão e já entrava em casa, que eu senti a pancada. O coroinha, indignado, arremessou o seu chinelo na minha cabeça (pela dor, eu pensei que havia sido um tijolo). É briga!!! – alguém declarou e uma roda foi formada. Eu tentava torcer o braço do coroinha, que puxava a minha orelha. Indignado pelo gol, Moisés me acusava: “Você entregou o gol para o Dedé só porque ele é seu amigo”. Aquele era um insulto inaceitável para um goleiro da minha categoria. O Dedé deu uma sorte rara; acertou um chute indefensável, no ângulo direito. Depois do jogo, eu apenas o cumprimentei por conseguir fazer um gol no futuro goleiro da seleção brasileira. A coisa toda não passava disso. No entanto, Moisés continuou com as provocações. Disse que eu mal sabia rezar e estava na igreja apenas para jogar bola. Como ele sabia disso? Eu nunca havia ficado com tanta raiva. Pobre do coroinha Moisés, que sofreu com os meus golpes furiosos. Só depois que um adulto separou a briga, Moisés pôde correr chorando para sua casa.

Após uma semana, um sentimento de culpa cristã bateu e eu pedi desculpas ao coroinha Moisés, que agora morria de medo de mim. Não demorou e a história correu o bairro e chegou aos ouvidos do Padre. Chocado com a situação, ele expulsou (do time e da igreja) todos que participaram da briga. Contudo, o time da igreja começava a lamentar as ausências e sofreu goleadas seguidas no campeonato do bairro. rigoroso Padre Marcondes já cogitava flexibilizar as suas regras. De tanto expulsar os meninos, ele mal conseguia completar uma equipe e sua missa andava vazia, como estádio de time rebaixado. Mas sua exigência era clara: era preciso reconhecer os seus pecados para receber o perdão. No confessionário da igreja, eu fiz minha revelação: “Padre, eu, de fato, entreguei aquele gol para o Dedé. Outra coisa: eu sou ateu, estou aqui só pelo futebol. Pronto! Agora, posso voltar para o time?”. Ele olhou assustado. Rezei vinte Ave-Marias e quinze Padre-Nossos.

Texto contemplado no 3º Concurso de Crônicas do Museu do Futebol – 2024 (4º ao 20º lugares)