Por Cris Monte Mor
Menção Honrosa no 2º Concurso de Crônicas do Museu do Futebol – 2023
Dona Tereza descia o morro correndo para não perder o ônibus. Estava atrasada para assistir ao jogo do seu time do coração. Acenou ao motorista para abrir a porta e apresentou a sua carteirinha da terceira idade para não pagar a passagem enquanto se ajeitava num dos bancos da frente.
– Obrigada, meu filho, achei que ia perder o ônibus. – disse ela ofegante.
– A senhora tem que tomar cuidado, uma hora pode dar um piripaque se ficar correndo assim.
– Piripaque nada, tenho sessenta e oito anos e já vivi muito nessa vida pra morrer às vésperas de ver meu time ganhar o campeonato carioca.
– A senhora falando assim até parece que entende muito de futebol.
– E tá falando isso por quê? Pela minha idade ou por eu ser mulher?
– Não quis ofender nada não senhora, mas é que nunca vi uma mulher da sua idade correr tanto para pegar um ônibus pra ir ao Maracanã assistir a um jogo de futebol, só isso.
– Olha que se bobear sei mais de futebol que você, e se quiser fazer um teste é só começar. Pergunte o que quiser que eu respondo.
– Não senhora, quem sou eu pra ficar questionando a sua sabedoria? Só achei diferente mesmo.
– Eu aprendi a gostar de futebol quando via o Zico jogar, era um espetáculo, uma arte. Aqueles dribles, as estratégias, os confrontos e o coro da torcida, tudo isso sempre me emocionava.
– É bonito mesmo.
– Só que meu marido nunca me deixava assistir ao jogo e muito menos torcer, dizia que era coisa de homens e que eu tinha é que cuidar da casa. Eu chorava toda vez que o meu Flamengo jogava porque eu não podia assistir. Tentava espiar sem ser notada enquanto fazia o serviço da casa.
– Poxa, que difícil.
– Muito, e eu comecei a decorar a casa com alguns detalhes em preto e vermelho e ele nem notava. Usava alguns acessórios e até roupa em algumas ocasiões. E foi assim por muito tempo, até o dia que ele se foi.
– Ele morreu, senhora?
– É, ele morreu e aí eu pude começar a me organizar para ver os meus jogos e torcer para o meu time sem me preocupar.
– É por isso que a senhora está com as unhas pintadas de vermelho e preto, com a camisa do time, seu cabelo é bem pretinho e seu batom vermelho?
– Isso filho, você acertou – falou com muito entusiasmo – e é uma pena que não sou mais nova. Pois ia querer ser jogadora de futebol também.
– É, a senhora gosta mesmo de futebol.
– Gosto filho, na verdade amo. E ainda mais importante é a liberdade de poder ser quem a gente quer ser e torcer para o que a gente gosta.
– Isso é verdade, deve ser muito ruim não poder fazer as cosias que se gosta. E seu marido, morreu quando?
– Ontem, filho. E hoje de manhã foi o enterro.