Ilustração com fundo laranja mostrando camisas de futebol com diferentes cores.

De Dudu Machado

“O quintal que a gente brincava é maior que o mundo, mas só descobrimos isso depois que ficamos grandes”, foi o que me disse Omar, um amigo e jornalista uruguaio, quando veio me visitar aqui, no interior da Bahia. Omar é um homem do mundo, daqueles que olham pela janela e veem um continente inteiro, não só o horizonte. Pessoas assim têm muita sede de viver e experienciam muitas coisas ao longo da vida. Tive o prazer de trabalhar ao lado desse cisplatino pensante por dois anos da minha curta vida quando fui convidado para realizar um dos meus grandes sonhos: fazer uma excursão documental pelos campos de futebol sul-americanos.
Eu, um garoto de Feira de Santana, interior da Bahia, onde o máximo visto havia sido o pacato estádio Joia da Princesa — uma cancha com capacidade para pouco mais de 15 mil pessoas —, estava prestes a conhecer o tão sonhado mundo visto pela janela.

Nessas viagens, fiz quase tudo que um homem na minha situação gostaria de fazer. Pisei no gramado do Maracanã, me arrepiei ao passar pelo túnel do Centenário, chorei na La Bombonera e fiquei sem respirar no Olímpico Atahualpa. Tudo isso acompanhado de muita carne, cerveja e música boa. Eu havia conquistado a América. Depois de tanto tempo viajando, colhendo registros sem parar, nos demos ao luxo de viver o descanso. Sabendo da minha hiperatividade, e que logo voltaria a trabalhar, aproveitei a pausa para visitar minha cidade. Omar, como sujeito curioso que é, convidou-se para ir comigo, tive que aceitar, é impossível dizer “não” a um uruguaio. Nada mais justo, já que ele havia me abrigado por meses em sua casa nos Pampas — era minha hora de fazer o mesmo.

Passeando pela cidade, eu mostrava bares, restaurantes, praças e farmácias, até que ele fez a temida pergunta: “Não vamos conhecer o estádio?”. Confuso e com um pouco de vergonha, falei: “Tem certeza que você quer?”. E como era de se imaginar, ele disse “sim”.

Fomos até o Joia da Princesa. Eu estava morrendo de vergonha de apresentar um pequeno palacete a um homem que me mostrou o mundo. Havia cerca de cinco anos que eu não entrava naquele lugar, não sabia nem em que situação estava. Por sorte, encontramos um gestor público que permitiu nossa entrada na masmorra tricolor. E quando passei pelos muros mal-acabados, pela grama farpa e pelo concreto quente, aconteceu o inesperado: minha vergonha foi embora e comecei a chorar.

Chorei como um menino. Um menino que insistia para o avô levá-lo ao estádio aos domingos, que brincava de arremessar bagaços de laranja pelos buracos do concreto. Um adolescente que matava aula só pra ver o Fluminense jogar. Um garoto que deu seu primeiro beijo ali mesmo, naquele estádio. Não sabia explicar. Como pode um homem depois de conhecer colossos alexandrinos do continente se debulhar em lágrimas entrando em um estádio de interior? Foi quando forcei a vista e vi um quero-quero batendo as asas que entendi que a América do Sul inteira cabe dentro de Feira de Santana.

Percebendo minha emoção, Omar virou e disse: “É como quando somos crianças, meu amigo. O quintal que a gente brincava é maior que o mundo, mas só descobrimos isso depois que ficamos grandes”.

 

4º ao 20º lugar no Concurso de Crônicas e Contos do Museu do Futebol 2025