
De Anna Laura Chepp de Lima
Bette, a ponta-esquerda do Internacional que ostenta a braçadeira de capitã da equipe, uma jovem de apenas 15 anos, marcou os dois gols da vitória do Inter sobre o Grêmio no clássico de futebol feminino. Quem estava no Estádio Beira-Rio na tarde do dia 19 de novembro de 1983, garante que a guria é uma craque nata. No primeiro tempo do certame, numa jogada de velocidade conduzida pela camisa 8, Heleninha, Bette recebeu a bola, driblou a marcação e marcou o primeiro gol em Gre-Nal oficial disputado por mulheres gaúchas. No segundo tempo, agora com o auxílio da habilidosa Jussarinha na lateral direita, Bette avançou para o ataque criando espaços dentro da defesa adversária. Com a habilidade e a confiança de quem domina o campo, a partida e o futebol, a jogadora consagrou dois gols com talento e força de mulher.
As coloradas foram as vencedoras do primeiro clássico Gre-Nal de futebol feminino, abrindo larga vantagem na tabela do Campeonato Gaúcho. Certo que nenhuma delas aprendeu a jogar da noite para o dia, então é necessário pensar neste cenário de jogadoras que se desenvolveram durante os anos de proibição. Bette, a estrela da partida, é aprendiz do técnico Orivaldino Amorim, que ignorava a desigualdade de gênero para ensinar os fundamentos do futebol à filha junto com seus alunos. Assim como Bette, todas as atletas dessa geração jogaram criando espaços dentro da interdição.
No Brasil, foram 40 anos de proibição do futebol feminino. Devido ao esforço de mulheres como Marianita, camisa 8 do Grêmio, que foi fundamental na luta pela liberação da modalidade, as mulheres finalmente podem usufruir do direito de jogar futebol. E nos países vizinhos, o cenário não é diferente. O Paraguai, por exemplo, proíbe a prática do futebol por mulheres desde 1960 e a lei segue vigente. No Uruguai, Chile, Colômbia e Bolívia não se tem conhecimento de leis que criminalizem a prática, mas também não existem ligas de futebol feminino operantes. Uma situação rara aconteceu na Argentina: em 1971, quando nem imaginávamos proferir a expressão “jogadora de futebol” em bom português, as argentinas já formavam uma seleção nacional e comemoravam 4 gols em cima da Inglaterra! Com muita luta e dedicação na primeira Copa Mundial Feminina, as hermanas impuseram a goela abaixo o termo “jugadora de fútbol”, que inaugurou não apenas um novo vocábulo, mas uma nova possibilidade de existência.
Uma coisa é certa, se hoje temos o futebol feminino e o uso da linguagem esportiva para mulheres que jogam futebol, é porque Bette, Marianita e muitas outras nos ensinaram sobre a potencialidade de romper estigmas. Enquanto existir futebol, existirão jogadoras de futebol, o que está em questão é a liberdade e a aceitação da mulher como produtora de conhecimento futebolístico. Infelizmente o futebol feminino ainda sofre com a falta de transmissão e documentação das suas partidas, mas é preciso encarar esta tarefa com a mesma coragem de nossas pioneiras. Mesmo com 42 anos de atraso, é preciso contar o que aconteceu.
4º ao 20º lugar no Concurso de Crônicas e Contos do Museu do Futebol 2025


