
De Mateo Olivera Santivañez
Poucas coisas me deixaram como quando Lampe entregou a bola nas mãos do juiz, dia 9 de setembro. La verde inteira foi ao chão no apito final, de joelhos, descarregados, aliviados, e não creio que nenhum boliviano, até os mais distantes filhos da diáspora, também não tenham ido em alma. Na última das chances, na única combinação de resultados possível para nos, depois de 3 anos maltratando o jogo bonito e engolindo goleadas, triunfamos. 1 a 0 na pentacampeã bastou para manter vivo o milagre.
Eu não sei onde vocês estavam, comunidade migrante, mas daqui de Prudente, interior de São Paulo, não vi nenhum de vocês na rua, então acabei por cometer um grave erro, e convidei uma brasileira pra assistir comigo. Não pensei muito pra fazer o convite, quando percebi ela ja tinha topado. “Vamo sim, mas você vai torcer pro Brasil, né?”. Caiu a ficha depois de que, tentando juntar duas coisas agradáveis, me armei uma arapuca. Ela não conseguiria conceber como aquilo poderia ser especial pra mim, como eu poderia cair aos prantos a qualquer momento, num gol bonito, caso o time perdesse ou ganhasse, eu tava sensível. Esqueci que pros brasileiros, eliminatórias são menos que nada, o que ela pensaria da minha emoção? Me coloquei entre a cruz e a espada. Se quisesse o melhor dos dois mundos, teria que dissimular. Desmarcar? Já era um milagre ela ter aceitado (e precisaria de mais alguns naquela noite).
Julga exagerado cair aos prantos por uma mera vaga na repescagem, certamente quem não é dos nossos, quem vai pra todas as copas. É que não se vence nada, nunca, sendo boliviano, dentro ou fora de campo, por isso tudo é sempre uma vitória. 32 anos sem classificar, gerações inteiras de crianças sem ver seus rostos num álbum de figurinha, é quase como se não existíssemos pro resto do mundo. Como uma brasileira poderia entender 1% disso? Até meu pai era mais novo que eu em 94, convenhamos, já está na minha vez!
Hoje, dia 10 de setembro, depois que finalmente ganhamos de vocês em solo altiplanico, e a notícia circulou, acordo e leio os comentários paraoicos… altitudefobicos… da parte dos Brasileiros que vive numa redoma de cristal (mimados). Dessa vez passaram de qualquer limite do bom tom. Chamam de crime jogar nos Andes! Vejam só, viramos criminais (de novo)… Como se o Estádio Municipal del Alto estivesse na mesma categoria jurídica de uma prisão política, um campo de concentração, olhem essa boca! Sempre atacando a altura, mas nos mesmos somos poeira das montanhas, então sejam diretos. Ou vocês também não tem vantagens? Recife joga com o calor, São Paulo com a fumaça, pronto. Porque essa insistência com as “condições ideais para o jogo”? São delírios de um clima europeu fictício, que acreditem, não é o de Curitiba.
Pelo menos, a minha companhia brasileira não estava redomizada, pelo contrario, devia estar na minha, e depois dessas historinhas de lamento boliviano e de milagres em sequência, converti sua torcida. Jallalla Bolívia! E digamos que em Prudente acabou o jogo 2 a 0. Deixei ela na porta dela e cantei “no me arrepiendo de este amor” o caminho inteiro pra casa, se era pra ela ou pra seleção, já não sei. Meu aniversário é só amanhã, dia 11, mas Deus esquece datas e todos os milagres que precisavam acontecer, já aconteceram.
4º ao 20º lugar no Concurso de Crônicas e Contos do Museu do Futebol 2025


