Ilustração com fundo laranja mostrando camisas de futebol com diferentes cores.

De Sidney Dupeyrat de Santana

É uma tarde fria de outono em Montevidéu. O vento gelado que vem do Rio da Prata corta a alma dos desprevenidos, mas é incapaz de esfriar seus corações: é dia da última rodada do Apertura.

Chego em Capurro, o bairro do Fénix. Ali mesmo, onde o Defensor obteve uma vitória crucial para a conquista do campeonato de 1976, a primeira vez que um clube pequeno foi campeão uruguaio. Depois de décadas, volta à região como líder com um ponto de vantagem para o Nacional, que no mesmo horário enfrenta o Sud América. Assim, para o Violeta basta a vitória para assegurar a taça; e em caso de tropeço o seu destino dependeria do outro placar.

O público vai chegando devagar, no ritmo do fim de semana. Casaco pesado no corpo, mate na mão e passos vagarosos de quem quer apreciar cada segundo de um dia de decisão ou teme a possibilidade da volta olímpica alheia em seu próprio estádio. Os hinchas do Fénix se encaminham para a arquibancada de frente para o rio, e os visitantes para a que vira as costas para ele. Entro na tribuna destinada ao Defensor e, com ela ficando cheia, escolho um local para ficar. Ao meu lado, um senhor solitário com seu mate e os cigarros. Puxo papo.

– Sos brasileño? Soy muy agradecido de tu país, que me dio de comer por siete años.

Sindicalista nos anos 70, acabou preso durante a ditadura militar. Após ser solto, foi para o Brasil, onde viveu por um bom tempo. Guarda muitas lembranças desse período, e a mais marcante é a da despedida dos colegas de trabalho, que conta com os olhos marejados:

– Tuve allí grandes hermanos, y en el momento de entrar en el bondi lloré mucho mientras abrazaba a mis compañeros. Formábamos en aquellos años una verdadera familia.

O jogo começa. E rapidamente o Sud América já vencia o Nacional por 2×0. Logo em seguida, pênalti para o Defensor: 1×0. Delírio na arquibancada visitante, com milhares de abraços que esquentavam o corpo e a alma. A torcida começava a ver o título próximo, mas o velho estava desconfiado:

– Quédate tranquilo che, que eso es fútbol.

O Fénix parte com tudo pra cima e, no final do primeiro tempo, empata. Logo em seguida, o Nacional desconta. O idoso puxa um cigarro para fumar.

A partida reinicia com o Defensor tendo a certeza de que não poderia depender do outro resultado. Enquanto o jogo corria, o Sud América faz 3×1. A metade violeta do estádio voltava a ser um festival de confiança. Mas, pouco depois, uma punhalada cruel: o Nacional vira o jogo para decretar o 4×3. Agora, só a vitória bastava.

A equipe em campo fica sabendo e pressiona cada vez mais. A angústia começa a tomar conta e o meu companheiro de estádio quase engole os cigarros. O tempo passa especialmente rápido até que, lá pros trinta e tantos, o Defensor volta a ficar à frente: 2×1. Abraço o senhor, que, pela primeira vez na tarde, sorri.

Fim de jogo. A torcida, em êxtase, invade o campo para participar da volta olímpica ao contrário, que lembra que o improvável aconteceu: o título saiu das mãos dos gigantes Peñarol e Nacional.

Volto para a arquibancada e, de longe, vejo o velho. Nas mãos, uma bandeira roxa com letras brancas: “Defensor siempre”. Aceno, e ele acena de volta. Nunca mais o verei, mas sei que ele estará ali, até o fim, ajudando o clube a seguir mudando a história. Sempre.

 

4º ao 20º lugar no Concurso de Crônicas e Contos do Museu do Futebol 2025