
De Leticia Quadros
Tudo errado. Jogador ruim. Treinador burro. Árbitro ladrão. Torcida acomodada. Dirigente egocêntrico. Maria não gostava de futebol, gostava de reclamar. Sua paixão pelo esporte bretão havia ficado no passado. Taça? Só se fosse da sua própria cozinha. Título? Apenas o de eleitora para exercer seu direito democrático. Por isso Maria nem se animou quando seu time chegou às quartas de final da Libertadores. Tinha virado uma cética colecionadora de frustrações.
No dia do jogo, ligou a televisão. Seu time precisava vencer na Argentina para se classificar, algo inédito. Quando seus olhos encontraram a tela, notou algo diferente. Eram lances de anos atrás. Se aproximou da tela e o apresentador apareceu na imagem, mas ele não era o de sempre. Ele começou a falar e… ele estava falando com ela? “Maria, Maria”. Ela olhou para os lados. “Lembranças dolorosas né, Maria?”. Como ele… Por que… Quem era ele?
“Eu sou o Fantasma da Libertadores Passada”, respondeu a pergunta feita em pensamento. Como é que é?. “Você lembra desse jogo aí?”. Fomos eliminados. Ele mandou Maria pegar um álbum de fotos e abrir na página 14. Ela tomou um susto. Era Maria com o irmão na… Argentina. Era o dia seguinte à eliminação. Ela estava feliz? “Vocês foram afogar as mágoas em uma churrascaria, não tinham dinheiro para pagar, mas como o dono era doido por futebol ele deixou vocês comerem de admitissem que Maradona era melhor que Pelé…”. A gente se recusou e saiu correndo, lembrou gargalhando. Mandou uma mensagem para o seu irmão e juntos assistiram a história ser feita pela primeira vez.
A semifinal era uma fase complicada. Maria preferia ser eliminada logo do que sofrer a dor de um vice-campeonato. Depois de uma derrota na altitude de Quito, o time precisava vencer em casa. Maria ia receber seu irmão para verem o jogo juntos. A campainha tocou. Cedo demais, pensou. Abriu pronta para reclamar, mas antes que pudesse abrir a boca, ele já foi entrando. “Muito prazer, sou o Fantasma da Libertadores Presente”. De novo, não. Sem cerimônia, ele sentou no sofá, colocou o pé na mesa e anunciou: “serei breve”. Graças a Deus.
Ele pegou um celular e mostrou um vídeo de sua sobrinha jogando um terço em cima de um padre. Por que ela fez isso?. “Ela ouviu a tia dizer que fé é coisa de gente fraca”. Eu tava… Não era… Eu falava de futebol!. “Diz isso pra ela”. Eu não vou… “Fé é uma só. Se você acha que é coisa de gente fraca porque aquela gaveta ainda existe?”. Naquela noite, Maria assistiu a classificação do seu time ao lado de seu irmão, de sua sobrinha, vestindo a camisa da sorte, libertada da gaveta depois de uma década.
Dias antes da final abriu a porta para pegar o jornal e lá estava ele, o Fantasma da Libertadores Futura, com o papel na mão. Na capa, uma foto do estádio do seu time vazio. Nenhuma alma. “Todo mundo parou de acreditar”. Mas chegamos na final!. “Acharam que iam perder”. E perdemos?. “O que você acha?”. Ele deixou o jornal e foi embora. Imediatamente ela comprou a passagem e ingresso de um amigo que desistiu de última hora. Foi para o Paraguai ver a final. O coração se acalmou quando viu o estádio cheio. Pulou, cantou e reclamou. Voltou para casa acreditando no amor novamente. E a taça? Bom, isso depende do que você acredita.
4º ao 20º lugar no Concurso de Crônicas e Contos do Museu do Futebol 2025


