Você já deve ter visto por aí – ou aqui mesmo, em nossos canais – que acabamos de começar uma grande obra de reformulação em nossa exposição. Talvez a notícia tenha até mesmo te surpreendido: por que um museu precisa se atualizar, se fala do passado?
É uma dúvida razoável, pois essa é a percepção mais comum que as pessoas têm sobre museus. Mas… e se a gente te disser que os museus falam sobre o presente, mesmo quando falam sobre o passado?
Segura essa bola, que a gente vai explicar a jogada.
Faz 15 anos que o Museu do Futebol foi inaugurado, em setembro de 2008. Se contarmos desde 2005, ano em que a ideia começou a se materializar, já se vão quase duas décadas.
- Pelé ainda estava vivo e até gravou a mensagem de boas-vindas que começa nossa exposição.
- Uma segunda Copa do Mundo no Brasil era um sonho distante, mas não apenas fizemos uma grande festa em 2014 como perdemos de 7 x 1 para a Alemanha em pleno Mineirão, em um episódio que para muita gente foi pior que o Maracanazo de 1950.
- A chamada “arenização” dos estádios brasileiros estava apenas começando e acabou impulsionada justamente com a construção e reforma de estádios “padrão FIFA” para a Copa.
- Os episódios de racismo no mundo inteiro já aconteciam, mas não eram percebidos como um problema grave, nem repercutiam no debate público.
- Em 2008, pouca atenção se dava ao futebol de mulheres, tanto que nossa exposição quase não tinha jogadoras – e o que é pior, pouca gente percebeu essa ausência.
- A internet estava começando a se popularizar, os celulares não tinham câmeras, e a gente consumia vídeos na horizontal, é claro, pois era o natural das telas de TV e cinema.
- Imaginar que passaríamos quase dois anos assolados por uma pandemia de gripe que mataria 700 mil brasileiros era papo de ficção científica pessimista.
O mundo mudou bastante, está claro. E o Museu com isso?
Você já deve ter percebido que há duas camadas mais evidentes de como o passar do tempo nos afeta.
A primeira é que novas coisas aconteceram no mundo e no futebol: Pelé morreu, teve Copa no Brasil, perdemos de 7 x 1 da Alemanha, Marta foi eleita a melhor do mundo seis vezes, vivemos uma pandemia. Como esses fatos novos serão incorporados na nossa exposição?
A segunda camada é de atualização tecnológica. Os equipamentos envelhecem, novas soluções surgem, e um museu que sempre foi baseado em tecnologia e interatividade precisa fazer um upgrade de vez em quando.
E aí vem a terceira camada, menos evidente:
Os fatos do passado não mudam. Mas a forma como olhamos para eles, sim. E isso diz mais sobre a gente hoje do que sobre o que se passou cem, cinquenta anos atrás.
O caso do futebol de mulheres é o mais emblemático. Nos últimos quinze anos, por uma série de motivos, o interesse na modalidade cresceu bastante. Podemos citar fatores externos como a quarta onda do feminismo, mudanças no estatuto da FIFA, políticas afirmativas visando à equidade de gênero.
Internamente, ao longo desse tempo, o futebol de mulheres virou um dos principais temas de trabalho do Museu do Futebol. Nos integramos e ajudamos a consolidar uma rede de pesquisa, descobrimos fatos que estavam quase esquecidos sobre a proibição do futebol de mulheres no Brasil, realizamos exposições temporárias e eventos.
Algo muito importante sobre museus é o compromisso de produzir conhecimento a partir de seus temas. O Museu do Futebol é referência na área, capitaneado pelas ações do Centro de Referência do Futebol Brasileiro. Enfim, pesquisamos e aprendemos um bocado nestes anos de existência. E está na hora de compartilhar esse aprendizado de maneira mais consistente, através de nossa exposição principal.
O que nos traz de volta ao título deste post.
No mundo dos museus nunca se fala em “exposição permanente”. Parece um detalhe, mas não é. Os museus contemporâneos precisam revistar suas exposições de tempos em tempos, idealmente a cada 10 ou 15 anos, para equalizar as questões como as que elencamos aqui. Mudanças menores podem ocorrer ao longo do tempo, mas esse é o prazo em que a chacoalhada precisar ser um pouco maior.
Por isso, o termo técnico é “exposição de longa duração” – mas como ninguém merece esse termo enorme e um tanto quanto antipático, usa-se com mais frequência “exposição principal”.
É ela mesma que estamos reformulando. O trabalho começou há quase dois anos, com muito planejamento e tomada de decisões, e agora estamos na fase de implantar o que foi imaginado com muito carinho.
Enquanto as obras acontecem, venham nos visitar na exposição Futebol de Brinquedo, que está linda. E esta é outra coisa importante de dizer: um museu é muito mais que sua exposição principal – mas isso é assunto para outro post.