Instrumento musical de cordas da marca nacional Rozini¹, com braço longo e caixa de madeira, possui formato de um pequeno violão, mede 24cm de largura, 62cm de altura e 7,5cm de profundidade. É um objeto muito utilizado em rodas de samba. Além disso, é peça fundamental para o cenário do futebol varzeano e amador. Até porque, na várzea, onde tem churrasco, tem batuque e se tem batuque, tem cavaco.

Cavaquinho utilizado nas rodas de samba do Cruz | Acervo Fábio Henrique | Foto: Nilton Fukuda
Esse cavaquinho pertence a Fábio Henrique, produtor e cavaquista do grupo 100 Conflito, que costuma participar do Samba do Cruz, evento que ocorre na sede do Grêmio Recreativo Cruz da Esperança. O instrumento foi emprestado ao Museu do Futebol para compor a exposição temporária Vozes da Várzea, em cartaz de 29 de novembro de 2024 até 27 de abril de 2025.
O Grêmio E. R. Cruz da Esperança foi fundado em 12 de outubro de 1958 no bairro da Casa Verde, zona norte da cidade de São Paulo. Ele faz parte do Complexo Esportivo do Lazer e Cidadania do Campo de Marte, local que conta com seis campos de futebol. O local é um dos últimos redutos do futebol varzeano que de fato ocorre na área inundável do rio Tietê e, por isso, remete ao tempo em que a prática amadora era exercida literalmente em terrenos próximos ao grande rio.
Para a compreensão das práticas esportivas e culturais que ocorrem no bairro da Casa Verde hoje, é necessário remontarmos ao processo de expulsão da população negra das áreas mais centralizadas da cidade em meados do século XX, com destaque para a Barra Funda, território marcado pela presença negra e, consequentemente, pelo samba. Pode-se dizer que, principalmente após a implementação da Ponte da Casa Verde e do preço mais acessível das moradias e terrenos, grande parte da comunidade negra migrou para bairros da zona norte.
Esse deslocamento forçado para o bairro da Casa Verde pode ser verificado através da continuidade das práticas de sociabilidade. A imensa presença de escolas de samba e agremiações dedicadas ao carnaval na região é um sinal evidente desses trânsitos pela cidade, tornando o lugar um importante celeiro de sambistas e, no mais, uma Pequena África Paulistana, como apontou Tadeu Kaçula. Figuras como Seo Carlão do Peruche (1931 – 2025) ilustram e reforçam a ligação entre os pontos e lugares, realçando uma memória que buscamos relembrar e difundir.
No fim da década de 1970 e início dos anos 1980, o Cruz da Esperança consolidou-se como importante espaço de pertencimento para a população negra da zona norte a partir dos “Bailes do Cruz”. Nesses bailes, o samba rock e a estética dos cabelos blacks reafirmavam as marcas de uma geração. Os eventos extracampo foram essenciais para a manutenção e continuidade do clube, uma vez que, por meio deles, houve grande arrecadação de dinheiro para custear uniformes, realizar melhorias no campo e aumentar a sede, fato que ocorreu na década de 1980.

Acervo Museu do Futebol | Coleção Walmir Melo | Direitos Reservados
Dessa forma, o objeto exposto na mostra temporária do Museu do Futebol, o cavaquinho, também nos auxilia na rememoração desses fatos, deslocamentos e lugares. Era muito comum que ele fosse utilizado nas rodas de samba rural paulista, especialmente nas terras de Pirapora do Bom Jesus. Por outro lado, ele ainda se faz muito presente nas rodas de samba que ocorrem no Cruz da Esperança atualmente, mesmo que estejamos a falar de uma prática sonora diferente daquela praticada em Pirapora, com maior influência do samba carioca.
É importante relembrar que as festividades são parte crucial da vida de um time de várzea, pois além de angariar verbas para as necessidades do clube, elas também movimentam a comunidade na qual está inserida. No limite, trata-se de um grande fazer coletivo destinado ao lazer, e as rodas de samba do Cruz são reflexo desse envolvimento.
Na atualidade, o Samba do Cruz atrai pessoas de todos os cantos da cidade de São Paulo e até mesmo de outros estados. Uma breve visita expõe com clareza que o lugar extrapolou os limites do futebol, do bairro e da cidade, sem perder a essência negra e varzeana. No toque do cavaco e do tamborim, todos desejam dançar um samba rock e bater na palma da mão nas rodas de samba do Cruz da Esperança.
*Nota de rodapé:
1. A empresa de instrumentos musicais Rozini, com sede na zona norte da cidade de São Paulo, foi criada por José Roberto Rozini na década de 1990. Sua origem tem relação direta com o cenário musical do período, isso porque àquele momento o pagode alcançava grande visibilidade, com destaque para grupos como Raça Negra, que emplacou sucessos a nível nacional e internacional. Tal êxito resultou em um aumento expressivo da procura pelos instrumentos musicais associados ao pagode, com destaque para o pandeiro e o cavaquinho, demandando grande produção da indústria musical.
Everton Apolinário
Pesquisador Jr. do Museu do Futebol