Podcast Futebóis – T2 | Ep2: Uma mulher a mais, um palavrão a menos: a trajetória de Zuleide Ranieri na Rádio Mulher 

Uma mulher a mais, um palavrão a menos. A trajetória de Zuleide Ranieri. Podcast Futebóis.

Voz de Taiane Anhanha Lima
A década de 1970 não era nada favorável às mulheres brasileiras no campo esportivo. Elas estavam proibidas por Lei de jogar futebol desde 1941. Portanto, entrar em campo como jogadoras, nem pensar. Era também a década da ditadura militar no Brasil e havia uma patrulha moralista enorme em todos os setores. A censura contra os meios de comunicação e contra artistas estava em pleno vigor. Imagina o tamanho da revolução que era ter uma Rádio formada só por mulheres – e a maior das ousadias – cobrindo futebol masculino. Ainda hoje, é difícil de acreditar. Mas foi justamente isso que a Rádio Mulher realizou.  

No episódio anterior, a gente mostrou o contexto que levou à criação da Rádio Mulher e conhecemos um pouco mais sobre a trajetória de uma de suas integrantes, Leila Silveira, que além de advogada era a comentarista e repórter de campo, ganhadora de vários prêmios por seu trabalho. Vem com a gente descobrir mais sobre esta história.  

Locutora
Ministério da Cultura por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura e Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Governo do Estado de São Paulo realizam: Podcast Futebóis. Uma produção do Museu do Futebol. Segunda temporada. Episódio 2 – Uma mulher a mais, um palavrão a menos: a trajetória de Zuleide Ranieri na Rádio Mulher.  


Taiane Anhanha Lima
Com o futebol feminino oficialmente proibido no Brasil até 1979, a Rádio Mulher não narrou nem comentou jogos da modalidade. O período de proibição de quase quarenta anos deixou o futebol de mulheres em um compasso diferente do masculino. No fim, ajudou a solidificar a imagem do futebol como um esporte “feito por e para homens”. Nesse contexto nada favorável, como repercutiu a Rádio Mulher?  Eu sou Taiane Anhanha Lima, professora de História e pesquisadora, e fui uma das selecionadas no Edital de Jovens Pesquisadores lançado pelo Museu do Futebol em 2022.  Eu vou contar mais uma parte da história da Rádio Mulher através da trajetória de outra de suas jornalistas: Zuleide Ranieri. 

A existência da Rádio Mulher está inserida em um contexto histórico próprio e, nesse caso, nefasto para o Brasil. A ditadura cívil-militar havia começado em 1964. Um regime que, além de torturas, assassinatos e ordens autoritárias, censurou o trabalho da imprensa, incluindo o radiojornalismo. A ditadura só terminou oficialmente em 1985. 

Nas fontes pesquisadas no acervo do Centro de Referência do Futebol Brasileiro, não encontramos informações específicas a qualquer tipo de censura sobre o trabalho da Rádio Mulher. Mas isso não quer dizer que não existissem, pois a duração do programa coincidiu justamente com a considerada “segunda fase” da ditadura, conhecida como “Anos de Chumbo”. 

Naquele momento, o rádio era o principal meio de comunicação no Brasil, já que a televisão ainda não era acessível a todas as pessoas.  As ondas do rádio eram a forma mais abrangente de propagar informação para a maior parte da população.  

Equipe da Rádio Mulher em um evento. Acervo Museu do Futebol - Coleção Zuleide Ranieri. Direitos Reservados.

Taiane Anhanha Lima
Quando comecei a pesquisa, um dos principais questionamentos era este: quem era o público ouvinte da Rádio Mulher? Encontramos a resposta em matérias e entrevistas dos acervos jornalísticos. Claudete Troiano diz que:  


Locutora

A gente descobriu que o futebol é muito ouvido pelas esposas dos jogadores e elas gostam da gente[1]. 


Taiane Anhanha Lima
Essa frase que ouvimos foi publicada em uma reportagem sobre a Rádio chamada Voz fina no jogo bruto, de Antônio Marcello e pertencente a coleção de Leila Silveira. 

O fato de que as próprias mulheres eram parte importante do público ouvinte da Rádio Mulher é um nítido sinal de identificação e representatividade, ainda mais sabendo que muitas delas não podiam praticar futebol naquela época – ou, pelo menos, não oficialmente. Assim, o programa não apenas transmitia narrações, entrevistas e comentários dos jogos do futebol masculino, mas também era um meio de propagação e incentivo para que o público feminino fosse instigado a gostar do esporte, em um momento em que isso não era comum nem visto com bons olhos por todos. Eram mulheres ouvindo outras mulheres falarem sobre o esporte mais amado do Brasil. 

Trecho de entrevista no YouTube
“Essa Rádio Mulher, parece que não né, mas essa equipe, essa primeira, essa pioneira equipe, porque existiram outras mulheres, existem outras mulheres ainda, porque elas estão vivas, que foram pioneiras assim, em entrar em estádios, em fazer uma entrevista com jogador, mas uma equipe inteira feminina a nossa foi a pioneira, entendeu? Nós fomos as pioneiras em equipe. No mundo todo” [2]. 


Taiane Anhanha Lima
Ouvimos Zuleide Ranieri Dias em uma entrevista a Radioamarantes no Ar em 2015. Mais conhecida como Zuzu ou Pimentinha, Zuleide era diretora da parte esportiva da Rádio Mulher, além de narradora dos jogos.  Era uma das únicas no país, ocupando um espaço que muitos achavam ser só de homens. No acervo dela, digitalizado pelo Museu do Futebol, é comum encontrar recortes de jornais com manchetes que diziam: “Mulheres invadem a área dos narradores
[3]”, ou “Tem Luluzinha no Clube do Bolinha [4]”, demonstrando essa sedimentação do espaço futebolístico como um “clube” exclusivo para homens. 

Fotografia de Zuleide animada, segurando um microfone na cabine de rádio do Morumbi. Acervo Museu do Futebol - Coleção Zuleide Ranieri. Direitos Reservados.
Zuleide Ranieri posando para fotografia em um estádio de futebol. Acervo Museu do Futebol - Coleção Zuleide Ranieri. Direitos Reservados.

Taiane Anhanha Lima
Em uma entrevista ao Diário Popular, Zuleide relata um pouco de suas dificuldades e dos casos de machismo pelos quais passou no início de sua carreira como narradora, incluindo piadas de colegas [4]. Eles não perdoavam deslizes em sua narração, como errar alguma palavra ou trocar nome de jogador – errinhos normais, que os homens também cometem. Até hoje, como naquela época, falhas de mulheres recebem muito mais visibilidade e cobrança.  

Zuleide relembrou em uma entrevista que o primeiro jogo narrado por ela foi União Soviética e Tchecoslováquia no ano de 1972. Como tinha dificuldades com os nomes estrangeiros dos jogadores, acabou perguntando para outros jornalistas como deveria pronunciá-los, Mas eles acharam graça da pergunta e simplesmente a ignoraram. Provavelmente para eles parecia piada ter uma mulher narrando e comentando o futebol. Em um primeiro momento, o Presidente da Federação Paulista de Futebol na época, José Ermírio de Moraes Filho, se negou, a dar as credenciais a elas, achando que a iniciativa da Rádio Mulher era apenas uma brincadeira [4] 

Mas não vamos focar somente nos episódios ruins, pois também há muitas notícias elogiosas sobre o trabalho da Rádio Mulher. Zuleide Ranieri foi uma ótima narradora; Leila, uma comentarista e repórter de campo premiada. Junto com outras profissionais, elas fizeram história.  

Locutor
“[…] Mas, as meninas não deixam por menos: transmitem igualmente (e como!) todo e qualquer acontecimento esportivo de atletismo, box, vôlei, basquete e automobilismo. São umas ‘feras’ do esporte. Entendem de tudo. Pesquisam, perguntam, entrevistam ídolos esportivos do passado, craques do presente, dirigentes – falam sobre tudo e sobre todos[5].

Matéria sobre Zuleide e sua profissão como narradora, juntamente com a jornalista Luciana Mariano. Acervo Museu do Futebol - Coleção Zuleide Ranieri. Direitos Reservados.

Créditos

Em fevereiro de 2022, o IDBrasil Cultura, Educação e Esporte, organização social que administra o Museu do Futebol, lançou um edital para Jovens Pesquisadores e Pesquisadoras com o foco no protagonismo feminino no futebol brasileiro. Esse podcast é resultado da pesquisa de uma das bolsistas – eu, Taiane Anhanha Lima, que roteirizei esta temporada. No site do Museu (www.museudofutebol.org.br) vocês podem encontrar a transcrição deste episódio e também algumas imagens que o ilustram. Até a próxima! 

Locutora
A Temporada 2023 do Museu do Futebol é realizada pelo Ministério da Cultura, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, e conta com o Patrocínio Máster do Banco Bmg; o patrocínio de Goodyear, Rede, Sabesp e Farmacêutica EMS, além do apoio do Mercado Livre. São empresas parceiras Evonik Brasil e Banco Safra.  

O Museu do Futebol é um equipamento da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Governo do Estado de São Paulo. 

Esta temporada do Podcast Futebóis teve roteiro de Taiane Anhanha Lima e revisão da equipe do Museu do Futebol Marcel Diego Tonini e Renata BeltrãoFiorela Bugatti   

Locução: Taiane Anhanha Lima, Ana Carolina Finardi e Paulo Silva
Direção de estúdio e edição: Juliano Vieira
Produção técnica: A Toca Cooperativa Audiovisual 

Notas

[1] Radioamarantes no Ar. Entrevista com Zuleide. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=g4-yfgO87i0&t=2s. Acesso em: 12 out, 2022.  Minutagem: 17′ até 17’38”. 

[2] Tem Luluzinha no Clube do Bolinha. Diário Popular Revista. São Paulo, 21 de outubro de 1997. Acervo Museu do Futebol | Coleção Zuleide Ranieri | Direitos Reservados. 

[3] Idem.

[4] As emoções do jogo na voz ardente de Pimentinha. Jornal dos Sports. Acervo Museu do Futebol | Coleção Zuleide Ranieri | Direitos Reservados.

[5] Equipe de Esportes da Rádio Mulher. Acervo Museu do Futebol | Coleção Zuleide Ranieri | Direitos Reservados.

Pular para o conteúdo
Governo do Estado de SP