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“É claro que eu não posso dizer que não tive espaço. Eu tive espaço, muita dureza, mas eu tenho certeza que, se eu fosse branca, de sobrenome composto, eu teria ido muito além. Não reclamo, não reclamo da minha vida, mas eu sei que, para mim, isso é uma luta constante. Eu não posso aceitar como profissional que o racismo fique no pé de página, não dá mais para isso …” [1]
Voz de Taiane Anhanha Lima
Acabamos de ouvir Claudia Silva Jacobs, jornalista negra que foi a única profissional de imprensa brasileira presente no torneio experimental da FIFA de futebol de mulheres, realizado em 1988, na China – antes da existência das copas do mundo femininas. Ela fez esse comentário durante sua palestra na mesa Racismo e Antirracismo durante o 4° Simpósio Internacional de Estudos sobre o Futebol, que ocorreu em 2022 no Museu do Futebol. Nele, a jornalista contou sobre sua vida e os desafios de ser uma jornalista negra. Apesar da carreira que construiu, o relato de Claudia mostra os percalços de ser mulher e negra na comunicação esportiva brasileira. Eu sou Taiane Anhanha Lima, professora de História e pesquisadora, e fui uma das selecionadas no Edital de Jovens Pesquisadores lançado pelo Museu do Futebol em 2022. Neste episódio do podcast Futebóis, vamos refletir sobre o jornalismo esportivo a partir de um recorte racial.
Locutora
Ministério da Cultura por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura e Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Governo do Estado de São Paulo realizam: Podcast Futebóis. Uma produção do Museu do Futebol. Segunda temporada. Episódio 3: “Mulheres negras no jornalismo esportivo” .
Voz de Taiane Anhanha Lima
Nas pesquisas sobre a Rádio Mulher, que você conheceu nos episódios anteriores, algo chamou atenção: a maioria de suas integrantes são mulheres brancas de classe média. Por que isso aconteceu? É comum ouvimos falar que, em meados da década de 1960, as mulheres do mundo todo estavam saindo de casa para entrar no mercado de trabalho, ou seja, conquistando sua liberdade e autonomia. Mas… de que mulheres estamos falando?
As mulheres não brancas sempre trabalharam, primeiro escravizadas, depois como domésticas, quitandeiras e em outras atividades informais e de pouco reconhecimento. No terceiro episódio desta temporada, vamos ressaltar a presença de mulheres negras no jornalismo esportivo no passado e no presente. Suas vivências perpassam, além do gênero, a barreira da cor. Em um país extremamente racista como o Brasil, essa barreira é estrutural e impede muitas oportunidades.
A falta de diversidade racial em transmissões esportivas no Brasil não é novidade. Se já são poucos os homens negros, quem dirá mulheres negras transmitindo e comentando futebol no rádio e na televisão?
Quando falamos da presença ou ausência de mulheres no jornalismo esportivo, a questão racial raramente é abordada. Mas vocês acham que é mero acaso que grande parte das repórteres de campo, apresentadoras e comentaristas sejam mulheres brancas que seguem um certo padrão de beleza?
Questionar onde estão as mulheres negras no jornalismo esportivo é um passo importante de reflexão, mas é necessário mais do que isso. É preciso, também, ouvir as mulheres que já estão presentes no meio e continuam sem visibilidade. Afinal, como já disse a atriz estadunidense Viola Davis: “A única coisa que separa as mulheres negras de qualquer outra pessoa é oportunidade”. E, para ter oportunidade, é preciso reconhecimento.
Por isso citamos algumas jornalistas negras do meio esportivo que estão fazendo história, enegrecendo a imprensa esportiva e levantando debates raciais.
Uma das mais conhecidas do momento é Karine Alves, gaúcha de Porto Alegre e apresentadora esportiva do Grupo Globo. Foi a primeira apresentadora negra a liderar o programa Esporte Espetacular e fez um trabalho excelente de cobertura na Copa do Catar em 2022. Em diversos momentos, Karine se posicionou sobre o racismo e o espaço das mulheres negras no jornalismo esportivo, sempre expressando opiniões contundentes e pedindo mais diversidade e representatividade na mídia.
Taiane Anhanha Lima
Natália Silva é outro nome importante nesse ramo, jornalista nascida em Malhada de Pedras, na região sudoeste da Bahia. Assim como eu, ela foi bolsista no Museu do Futebol, através do Edital de Seleção de Jovens Pesquisadores, em 2022. No decorrer da pesquisa, Natália voltou seu trabalho às fontes orais e entrevistas. Ela mantém o projeto “A Negra no Futebol Brasileiro”, tendo entrevistado mais de 50 mulheres jogadoras, jornalistas, pesquisadoras, psicólogas e treinadoras das cinco regiões do Brasil, destacando questões étnico-raciais e de gênero.
Júlia Belas é outro nome importante. Nascida e criada em Salvador, Bahia, a jornalista já passou por diversos veículos de imprensa, tendo como um dos seus focos a visibilidade para as questões silenciadas e importantes, incluindo mulheres negras e jornalismo. Seja no seu trabalho na Goal Brasil, pelo Dibradoras e até mesmo pelo jornal inglês The Guardian, a jornalista cobre e destaca o futebol de mulheres. Na carreira acadêmica, pesquisa a representação de jogadoras negras pela mídia esportiva brasileira.
Podemos falar também da jornalista Raphaelle Seraphim, fundadora e membro do Ubuntu Esporte Clube, um podcast que traz uma visão afrocentrada sobre o esporte, cultura, política e demais assuntos no Globoesporte.com.
Quatro exemplos de jornalistas negras entre muitas que existem no Brasil. Precisamos vê-las, divulgá-las e falar sobre elas, para que assim outras possam surgir.
Comentar sobre mulheres negras jornalistas esportivas em um episódio isolado, obviamente, não tem a intenção de criar uma “separação” entre jornalistas brancas e negras. Fazemos isso pela necessidade de refletirmos ainda mais sobre a invisibilidade e a falta de oportunidade dessas mulheres em vários meios, inclusive no jornalismo esportivo. Mulheres negras sofreram e sofrem interações de diversas opressões, como o racismo, o machismo e o preconceito de classe, sem que uma se sobreponha a outra. A isso dá-se o nome de interseccionalidade, um posicionamento do feminismo negro frente a esse conjunto de violências de nossa sociedade. O cruzamento dessas “avenidas identitárias” acaba por afastar as mulheres negras de determinados espaços. O futebol, como bem sabemos, já é um lugar difícil para mulheres em geral, quanto mais para mulheres negras. Essa foi a intenção de debate deste episódio.
Créditos
Em fevereiro de 2022, o IDBrasil Cultura, Educação e Esporte, organização social que administra o Museu do Futebol, lançou um edital para Jovens Pesquisadores e Pesquisadoras com o foco no protagonismo feminino no futebol brasileiro. Esse podcast é resultado da pesquisa de uma das bolsistas – eu, Taiane Anhanha Lima, que roteirizei esta temporada. No site do Museu (www.museudofutebol.org.br) vocês podem encontrar a transcrição deste episódio e também algumas imagens que o ilustram. Até a próxima!
Locutora
A Temporada 2023 do Museu do Futebol é realizada pelo Ministério da Cultura, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, e conta com o Patrocínio Máster do Banco Bmg; o patrocínio de Goodyear, Rede, Sabesp e Farmacêutica EMS, além do apoio do Mercado Livre. São empresas parceiras Evonik Brasil e Banco Safra.
O Museu do Futebol é um equipamento da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Governo do Estado de São Paulo.
Esta temporada do Podcast Futebóis teve roteiro de Taiane Anhanha Lima e revisão da equipe do Museu do Futebol Marcel Diego Tonini e Renata Beltrão e Fiorela Bugatti
Locução: Taiane Anhanha Lima, Ana Carolina Finardi e Paulo Silva
Direção de estúdio e edição: Juliano Vieira
Produção técnica: A Toca Cooperativa Audiovisual
Notas
[1] Mesa 6 – Racismo e Antirracismo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=VYO0i0OjseY&list=PLdD-OO9tqNHNdDan75RD6eW_ET9EMwn6O&index=6. Tempo: 2h13m20 – 2h13m53.