Agasalho do Pelé na Copa do Mundo de 1958

Agasalho esportivo confeccionado em moletom na cor verde. Apresenta detalhes em amarelo na gola e listras laterais produzidas também em algodão, enquanto os punhos e barra são produzidos com malha de ribana canelada amarela. Possui zíper na gola. Nota-se escrito centralizado em tom de amarelo a palavra “BRASIL”, que fica logo abaixo do distintivo bordado da “CBD” (Confederação Brasileira de Desportos). No prolongamento do agasalho, observam-se manchas de amarelecimento, especialmente próximos da gola, e sutis rasgos e fios puxados, indícios de uso e ação ao longo do tempo.

Agasalho exposto na Sala Pelé. 2025. Acervo Museu do Futebol | Foto: Lívia Albernaz.

O objeto da vez deste mês é o agasalho da Seleção Brasileira de Futebol utilizado pelo Rei Pelé na Copa do Mundo de 1958. Durante o mundial, a delegação brasileira distribuía aos atletas e comissão técnica itens de vestuário com as cores nacionais verde e amarelo, tal como pode ser observado em fotografias da época.  Esses agasalhos foram produzidos pela indústria brasileira Athleta, fornecedora esportiva oficial da Seleção entre as Copas de 1954 e 1974 e eram divididos entre os jogadores, que os utilizavam de forma compartilhada em treinos antes dos jogos. As roupas esportivas, nesse contexto, estavam em constante transformação tecnológica, tanto para contemplar o conforto do atleta, quanto para melhorar o desempenho dos movimentos do corpo, e aumentar sua capacidade de rendimento.

Em relação aos aspectos históricos das transformações dos uniformes ao longo do tempo, até a década de 1930, as equipes utilizavam uniformes de algodão cru, fibra natural de origem orgânica. No entanto, havia uma desvantagem no uso desse tipo de material, pois o suor dos corpos dos atletas ou a água proveniente da chuva deixavam o uniforme pesado, interferindo no desempenho dos jogadores. Portanto, após esse período, o algodão cru foi substituído pela malha de algodão que, além de ser mais durável e leve, ampliava o movimento do corpo [1].

A peça integra a coleção particular de Cássio Brandão, do Alambrado Futebol e Cultura e está exposta na Sala Pelé, do Museu do Futebol, desde maio de 2025, sob a modalidade de empréstimo. Sua exibição permite questionamentos e reflexões em torno da sua materialidade e das circunstâncias de sua produção, usos, circulação e posterior preservação enquanto objeto de coleção. O agasalho, dessa forma, mais do que uma “relíquia” que foi utilizada por Pelé durante o Mundial de 1958, pode ser compreendido como um item da cultura material portador de informações que, uma vez questionado, tem a potencialidade de transmitir dados sobre, por exemplo, a indústria têxtil no contexto brasileiro em meados do século XX, as técnicas e materiais usados, modificações dos têxteis, além de suscitar questionamentos sobre sua preservação.

Uma vez que o foco desse texto é a sua materialidade e desafios de preservação, cabe refletirmos sobre o caminho que esse objeto percorreu de 1958 até a contemporaneidade, entre as adversidades dos usos e a ação natural de desgaste devido à passagem do tempo, e como esses são desafios enfrentados para garantir a integridade, autenticidade e preservação de peças como essa. Ao observar o agasalho produzido, como mencionado anteriormente, pela Athleta, chama a atenção o fato de que suas dimensões parecem menores do que seria esperado para o uso do atleta naquela época. Essa diferença poderia levantar dúvidas quanto à sua autenticidade. No entanto, direcionando um olhar mais apurado para a peça, a partir da análise das costuras, do tecido e das marcas de passagem do tempo, claramente observamos que se trata de um exemplar original daquele período que passou por processo de encurtamento devido provavelmente a procedimentos de higienização inadequados.

Detalhe da costura da gola. Acervo Museu do Futebol | Foto: Lívia Albernaz.
Detalhe da parte interna do agasalho. Acervo Museu do Futebol | Foto: Lívia Albernaz.

A conservação de têxteis é um desafio constante uma vez que se trata de uma materialidade delicada e, portanto, suscetível a ação de agentes externos como a luz. Também é preciso que levar em consideração que os uniformes esportivos fabricados diretamente para as agremiações ou seleções até aproximadamente 1970 não possuíam etiquetas especificando a composição dos materiais, uma vez que a intenção dessa produção não era a comercialização enquanto produto. Esta é a razão para sabermos diferenciar os uniformes utilizados em campo daqueles que são disponibilizados à venda. No entanto, a ausência dessas informações dificulta o estabelecimento de métodos corretos para a conservação preventiva das peças. Assim, esses objetos são mais sensíveis à exposição de poeira, de raios UV, às variações de luminosidades, temperatura, umidade e à ação de microrganismos. As condições de calor ou umidade alteram as estruturas das fibras, o que leva a expansões ou retrações do tecido [2].

No caso do agasalho, provavelmente o encolhimento foi causado por sucessivas lavagens, pois a fibra do algodão se retrai nesses procedimentos. Cabe salientar que tentativas de “restaurar” ou higienizar com muita frequência as peças podem acelerar o processo de degradação do têxtil. Dessa forma, quanto menos intervenções diretas na peça, melhor, até mesmo para manter as características originais do artefato. O ideal é que os procedimentos sejam realizados por profissionais especializados ou que as instituições e/ou pessoas colecionadoras busquem literatura confiável sobre cuidados básicos com esses materiais.

O certo é que este agasalho, como um artefato da cultura material, desperta significados históricos, biográficos e afetivos de dimensão coletiva. Sua preservação, seguindo orientações adequadas, permite não só prolongar o seu tempo de vida, mas também apresentar aos públicos diferentes camadas de informação, seja sobre sua materialidade, seja sobre sua trajetória enquanto objeto. Buscou-se, nesse texto, justamente olhar para esse item à luz da sua materialidade e dos desafios para a sua preservação.

Para saber mais a respeito do assunto de conservação de tecidos, segue algumas sugestões de leitura:

ALVARENGA, Nathália Varela. Balanço Histórico da Produção Científica sobre Conservação e Restauração de Têxteis no Brasil. Trabalho de Conclusão de Curso – Instituto de Artes e Desing, Universidade Federal de Juiz de Fora, 2014. 49 p.

CORDEIRO, Amanda Cristina Alves. Tecidos como patrimônio no Brasil: a realidade dos acervos têxteis eclesiásticos protegidos no Estado de Minas Gerais. Dissertação de Mestrado – Programa de Pós-Graduação em Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, 2012. 289 p.

PAULA, Teresa Cristina Toledo de. Inventando moda e costurando história: pensando a conservação de têxteis no Museu Paulista. Dissertação de Mestrado – Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, 1998. 219 p.

SANCHES, Regina Aparecida; VICENTINI, Cláudia; COSTA, Silgia; GOMES, Suzana; PIRES, Beatriz; ARAUJO, Maurício. Contemporâneo: evolução dos tecidos no uniforme de futebol. dObra[s] – revista da Associação Brasileira de Estudos de Pesquisas em Moda, [S. l.], v. 4, n. 9, p. 21–23, 2010.

SILVEIRA, Laiana Pereira. FETZER, Lilian. A importância da conservação de têxteis em instituições museológicas. In: Revista Discente Ofícios de Clio, Pelotas, vol. 6, n° 10 | janeiro – junho de 2021. 263 –

TOLEDO, Luiz Henrique de. (In)vestindo camisas de futebol: moda esportiva e agência na produção das emoções torcedoras. dObra[s] – revista da Associação Brasileira de Estudos de Pesquisas em Moda, [S. l.], v. 12, n. 27, p. 31–46, 2019.

Sibelle Barbosa

Museóloga do Museu do Futebol

NOTA

1. Exposição Estilo no Campo. Acesso: jul. 2025.

2. SÁ, Ivan Coelho. Acervos Têxteis e Musealização: importância da Conservação Preventiva. In: SALLES, Manon (Org). Museologia da Moda: acervos e coleções do Brasil. São Paulo: Alameda, 2023. p. 23-61.

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