Ilustração com fundo laranja mostrando desenhos de pessoas jogando futebol amador, e o título 3º Concurso de Crônicas do Museu do Futebol

Por Quefren Arsênio Rodrigues

Naquele dia de ressaca junina, Babuja conversa com Caveira do parapeito da calçada da casa, onde morava com a mãe e a tia. Horas antes, os dois tinham ido ao Lojão de Caruaru, o único estabelecimento da cidade que vendia roupas e utensílios domésticos. O Lojão patrocinava, pela 15a vez, o time das agrovilas do interior de Marechal Diniz, uma cidade localizada no oeste do Cariri. O time, criado em 1991 pelos remanescentes agricultores de mandioca e algodão, era motivo de grande orgulho para toda a região. Além de ser um dos mais vitoriosos, sua história de superação atravessava gerações. Classificado para as finais após vencer Inharé F.C e Beijo Ardente, o time mantinha-se invicto, resguardando as boas campanhas de anos anteriores.

— Não fosse o toró que caiu na cidade, o Clube Comarca de Futebol teria enfrentado o Reco-Reco F.C na semifinal, marcada para aquele dia no campo do tocão. Mas o jogo não deixou de acontecer. O time, formado por Babuja no gol; Camarão e Negr’alan de zagueiros centrais; Miojo e Caveira de laterais; Jorginho como volante; Miltinho e Carleto no meio de campo; e Paulim do Pombo e Oi de Bila no ataque, propôs um pacto. Se Paulim do Pombo marcasse o gol da vitória, o bode na brasa estaria garantido.

O que ficou meio confuso era se o capitão do Reco-Reco F.C havia concordado ou não, depois do tabefe que Caveira lhe deu. Na saída do Lojão de Caruaru, Babuja e Caveira o confrontaram. Babuja queria arrancar-lhe a palavra sobre um dívida, enquanto Caveira, com seus 1,98 de altura e estereótipo sarará, o levantou aos solavancos. Caveira intimidava qualquer um antes mesmo de abrir a boca. O certo é que, quando o credor confrontou Evertin sobre o débito, aproveitou para coagi-lo em favor da façanha do time.

Cerca de hora e meia antes de começar a partida, um grande desaire frustrou as expectativas do C.C.F. Paulim do Pombo, que tinha consigo as contrariedades de sua experiência como prefeito municipal em dois notáveis mandatos, anunciou que não iria jogar. Ele havia se descoberto tolstoiano e declarou: “Ganhar aquele jogo não faz mais sentido para mim; jogar futebol também não”.

A partida começou, e logo o capitão do Reco-Reco F.C percebeu que era Pantica quem estava jogando de ponta avançado. Ele lançou um olhar intrigante para Caveira, que tomou isso como uma ofensa. Logo a chance que tinha, era a de chegar à meta adversária, e tentar formular mei’mundo de palavras enquanto corria, para perguntar:

— Qual é o plano agora?

Termina o primeiro tempo e os times voltam para a concentração, à sombra das braúnas. Evertin, para afastar o melindre, chama Babuja para uma conversa antes que, num ataque de raiva, este possa revelar, ainda que em pequenos lances, do mistério da dívida de 100 mil e 600 reais do cabaré dos senhorios do algodão, que ressabiava a província do oeste. A fumaça de mato subia de um catimbó próximo, o sol já derreava no horizonte e as braúnas pareciam contar segredos antigos. Caiaba, que substituiu Camarão, colocou o pé numa bola chutada da linha de fundo ao goleiro. Antes disso, Pantica havia perdido um pênalti, arranjado pelo próprio Evertin. Fosse por isso seria pênaltis. Mas a redonda encontrou uma estranha e silenciosa paz no fundo da rede.

Texto contemplado no 3º Concurso de Crônicas do Museu do Futebol – 2024 (4º ao 20º lugares)