Ilustração roxa com desenho em traços brancos e finos, mostra uma camisa de futebol, com um coração do lado esquerdo. No fundo um avião decola.

Por Clélia Marques Gorski
Primeiro lugar  no 2º Concurso de Crônicas do Museu do Futebol  – 2023

 

Olho pra ela feliz da vida com a compra que ela mesma acabara de fazer, a passagem para a Austrália para assistir à Copa do Mundo de Futebol Feminino, e logo penso na final do Campeonato Paulista de 1995: por que afinal não comprei a camisa do Corinthians pra ela também, além de ter comprado para seu irmão? O Corinthians venceu, mas eu perdi uma chance clara de gol com a minha filha… 

São paixões de torcedores! Ainda bem que aquela pisada de bola não tirou minha filha das arquibancadas. E olha que hoje ela é uma mina boleira de fins de semana e quem fica na arquibancada sou eu quando ela joga. 

Pois bem… Estou agora num verdadeiro tapete verde pra jogar uma boa partida com minha filha e eu não posso perder esse lance de jeito nenhum: pergunto se já tem a camisa oficial da nossa Seleção Feminina e ela, sem pipocar, responde de pronto: “ainda não, mãe!”. 

Pensei em fazer cera para valorizar ainda mais o passe, mas não a ponto de levar à prorrogação: agora era a hora de colocar em jogo meu esquema tático de pedido de desculpas. 

Estávamos com o estádio vazio, só eu e ela, e tudo o que eu queria era vê-la ainda mais feliz, deixando pra trás de uma vez aquela imagem dela chorando por não ter a camisa do seu time do coração pra comemorar. 

Então, na dividida entre apostar que ela iria adorar receber a camisa de presente ou temer que ela lembrasse daquela comemoração na final de 1995 e marcasse penalidade máxima, fiquei eu como uma pipoqueira, pensando no melhor drible da situação. 

Minha filha é craque: no futebol e na vida! Logo percebeu que eu estava fazendo firula e já isolou a bola: “vou tirar meu time de campo, mãe, já é tarde”. 

E me deu um beijo de despedida. 

Ora, essa! Não podia perder a oportunidade por WO, até porque nós duas jogamos no mesmo time! 

Então, quando ela se virou em direção à porta, matei no peito e mandei de bicicleta: “eu vou te dar de presente a camisa oficial da Seleção feminina, filha!”. 

De imediato, ela virou-se de volta em minha direção, colocou sua mochila no chão e tirou de lá um papel. Levantou, caminhou até mim e falou enquanto me entregava o bilhete: “mas vai ter que comprar mais uma camisa… e pra você, mãe! Porque este papel que acabei de lhe dar é a sua passagem pra ir assistir à Copa do Mundo de Futebol Feminino na Austrália comigo!”. 

“Foi um gol de anjo, um verdadeiro gol de placa”, num jogo de ganha-ganha, daqueles pra se comemorar a vida inteira. Afinal, a bola entrou onde a coruja faz o ninho e, neste caso, o tirambaço acertou meu coração!