Exposições

O ponto inicial da pesquisa foi o acervo do Museu de Esportes de São José [1]. Por se tratar de um levantamento que serviria de base para o módulo da exposição CONTRA-ATAQUE! As Mulheres do Futebol sobre o futebol na cidade, as fotografias foram eleitas como fonte prioritária para compor a narrativa. A partir da investigação, observou-se que, desde 1936, as mulheres estiveram em movimento, participando ativamente dos Jogos Abertos do Interior. Na década de 1940, em São José, destacaram-se no tênis, no vôlei e no basquete. 

O único registro fotográfico pertencente ao acervo do Museu de Esportes sobre a prática do futebol de mulheres durante o período da proibição (1941-1979) é de trabalhadoras posando ao lado de membros da diretoria da fábrica da Companhia Rhodosá de Rayon e do jogador Julinho Botelho, famoso por sua passagem pela Portuguesa de Desportos, Fiorentina (Itália) e Palmeiras. Sobre o contexto dessa foto, sabe-se que ocorreu em um feriado cívico e que, após o registro, jogaram Rodhosá Atlético Clube (RAC) e Taubaté Esporte Clube [2]. Não há nenhuma menção ao jogo das mulheres, um nítido apagamento dessa memória.

Trabalhadoras da Companhia Rhodosá fizeram uma “demonstração” de futebol, no registro posando ao lado de membros da diretoria da fábrica e do famoso jogador Julinho Botelho, campeão e ídolo pela Portuguesa de Desportos, Fiorentina (Itália) e Palmeiras. São José dos Campos/SP, década de 1950. Foto: Direitos reservados.

Importante ressaltar que, no campo esportivo, o Esporte Clube São José era a principal agremiação da cidade e o dérbi local até hoje é contra o Burro da Central. Portanto, não se tratava de uma peleja qualquer. O anfitrião, o RAC, filiou-se à Federação Paulista de Futebol no ano de sua fundação, em 1948. A relação entre futebol e fábrica em São José dos Campos sempre foi muito próxima. A Liga Municipal de Futebol, criada em 1955, tinha quatro dos sete times fundadores com origens fabris: Cerâmica Weiss, Cerâmica Becker, Tecelagem Parahyba e o Rhodosá Atlético Clube [3]. 

O RAC não possuía um time de mulheres. Aquele registro foi feito em caráter de amistoso e como demonstração. Independentemente das proibições impostas às mulheres, elas seguiram driblando em outros campos. Os Jogos Abertos do Interior continuaram sendo a competição mais importante do calendário esportivo da região, reunindo atletas de diversas modalidades, como o atletismo e a natação. No acervo do Museu de Esportes, as fotografias estão disponibilizadas digitalmente, organizadas por décadas, podendo-se aplicar filtros por modalidade. 

Nos intervalos de 1981-1990 e 1991-2000, constam dez e três fotografias, respectivamente. Embora seja um acervo bastante restrito, foram essas imagens que serviram de base para a composição do módulo local da CONTRA-ATAQUE! A partir delas, foi possível promover uma importante ação de reconhecimento sobre a trajetória das mulheres que começaram a disputar torneios entre bairros e projetou lideranças na prática do futebol, na arbitragem, na gestão. 

A exposição itinerante foi produzida no contexto da Copa do Mundo de Futebol Feminino (2023). Nesse processo, testemunhou-se a sinergia de personagens que se interessam em narrar suas trajetórias em primeira pessoa e para um público maior. Um ponto em comum durante as entrevistas para a CONTRA-ATAQUE!, em São José, foi perceber um crescimento exponencial conferido a esta pesquisa devido ao movimento para visibilidade do futebol de mulheres. O fato de se tratar de uma parceria com o Museu do Futebol, que é referência, fez muita diferença. 

No bate-bola entre imprensa, iconografia e oralidade, Zezinho Friggi, idealizador do Museu de Esportes, foi uma peça-chave, apresentando Solange Gouvea, que jogou no Raios de Sol e foi campeã estadual pela 2ª divisão e campeã metropolitana de futsal, artilheira de vários torneios, e primeira árbitra de futebol da cidade. Solange jogou na primeira “Seleção” de São José, na ASSEM, no SENAT, dentre outros times de várias cidades do Vale do Paraíba. Foi ela quem “convocou” o time para a cobrança do tiro de meta, ou seja, para reiniciar o jogo da narrativa histórica. 

Na década de 1980, a seleção com as melhores atletas levou à primeira formação do São José Feminino, cuja base foi o Raios de Sol e cuja técnica foi Selma Profício. Desse celeiro, duas jogadoras foram para a Seleção Brasileira, Meire e Valéria Bonifácio, e outras, como Luciana Galvão, projetaram-se em clubes como Swift, Marvel, Saad, Santos e Portuguesa. 

O Museu de Esportes de São José dos Campos participou da Primavera dos Museus, promovida pelo IBRAM em 2011, cujo tema foi: “Mulheres, Museus e Memória”, na ocasião, uma das entrevistadas, era do futebol: Selma Profício. Em sua entrevista de pouco mais de seis minutos, trouxe informações importantes que em pleno auge do futebol feminino do São José, rebobinava a narrativa para mais de duas décadas, apresentando outras memórias e vitórias, do Raios de Sol e outras duas dezenas de times que, nos anos 1980, literalmente levantaram a poeira nos campos da cidade, Vale do Paraíba, Litoral Norte e Grande São Paulo. 

É salutar esclarecer que o São José Feminino não faz parte do São José Esporte Clube. Trata-se de um time mantido pelo poder público municipal, desde 2001. Atua em Jogos Regionais e Jogos Abertos do Interior. Em 2010, foi vice-campeão do Paulista em 2010. Nos anos seguintes, ganhou a Copa do Brasil (2012 e 2013), o Campeonato Paulista (2012, 2014 e 2015); sagrou-se tricampeão da Libertadores da América (2011, 2013 e 2014) e campeão do Torneio Internacional de Clubes (2014). 

A CONTRA-ATAQUE! em São José dos Campos permitiu outros dribles das mulheres, extrapolando a exposição em si. A fotografia do Raios de Sol com o uniforme azul e amarelo era, então, a única que estava dentre aquelas 13 pertencentes ao Museu de Esportes. Ela foi gentilmente cedida por Roziani de Fátima Nunes Alves (Rozi). A inserção desse e de outros registros no percurso expositivo desencadeou importantes exercícios de rememoração dessa história. 

Equipe Raios de Sol, década de 1990, São José dos Campos/SP. Em pé: Constantino, Solange, Cristina Piorino, Meire, Rose, Chica e Selma (técnica). Agachadas: Cristina, Norma, Luciana, Alessandra e Marilú. Foto: Direitos reservados.

Neles, momentos são relembrados; territórios, revisitados; objetos, recuperados. É uma descoberta de significados e funções de itens como: flâmulas, camisas, medalhas, troféus, certificados, recortes de jornais, fitas K7, fotografias; até então inertes, uma vez iluminados, passam a dinamizar a memória e a oralidade. 

São essas variações que definem a posição dos narradores em relação à história da qual fazem parte. Em um primeiro momento, tópicos frasais e uma tônica de relevância relativa cristalizada que se convertem em um exercício de discorrer minuciosamente episódios. A velocidade é acelerada e o espaço encurtado, no ir e vir de informações, com o uso de redes sociais. Desse modo, jogadoras de Caçapava, Campos do Jordão e outras regiões têm se conectado e produzido novos enredos, sendo alguns deles compartilhados conosco. 

Ainda sobre esses capítulos a serem (re)escritos, na produção da CONTRA-ATAQUE!, verificou-se que, nos anos 1980 e 1990, diferentes personagens protagonizaram a tentativa de ter um time feminino representando o município de São José com o mínimo de retaguarda para as meninas. A esse respeito, o ex-técnico Luís Bento (Bronca) destacou que se tratou de uma ação efêmera e que o time à época vinculado ao São José Esporte Clube foi reflexo de um momento em que uma mulher assumiu a gestão do clube: Lindonice de Brito, que foi localizada durante a pesquisa e contribuiu também para a escrita dessa história do futebol de mulheres em São José. 

Com o advento das máquinas digitais e a facilidade em produzir e compartilhar conteúdos, a produção de memórias em ambiente virtual é um fenômeno que permite com que os registros [4] dos mais diversos lances sejam documentados. 

A geração dos Raios de Sol e as primeiras mulheres a vestirem a camisa do São José contaram com registros analógicos feito por familiares e amigos. Poucos são os registros da imprensa, os quais ganham sentido e significado a partir da escuta qualificada. 

Tanto na coleta de fontes quanto na produção das legendas que culminaram na exposição local em São José, a validação dos textos, as correções e as informações adicionais continuam em processo de construção dessa história que revela vasto repertório de resistência das mulheres e inúmeros lances que ainda virão à tona. 

A escrita deste texto torna qualquer apresentação de resultado inconclusivo, pois, a cada dia, uma nova protagonista passa a integrar esse processo de escrita na qual a historiadora trabalha em coautoria. 

O futebol para essas pioneiras constitui um patrimônio cultural, interliga experiências de vida; sendo uma história compartilhada que ainda está em processo de construção e cuja (re)escrita é necessária. Ainda tem muito jogo, e a bola continuará a rolar. 

Notas

[1] Lei Municipal n° 5445/99, criação do Museu de Esportes de São José dos Campos, entidade subordinada à Secretaria de Esportes e Lazer da Prefeitura Municipal. O Museu de Esportes de São José dos Campos é um centro de exposições e visitação, inaugurado em 30/07/1999.Em setembro de 2017, transferiu-se para o Estádio Municipal Martins Pereira.

[2] Consultar: Jornal O Correio Joseense, 07 set. 1956.

[3] O Rodhosá Atlético Clube foi campeão amador em 1959 e 1960. No ano de 1965, disputou o Campeonato Paulista profissional da Quarta Divisão, hoje conhecido como Série B.

[4] A partir do ano 2001, o acervo do Museu de Esportes cresceu. De 192 fotografias no período de 2001 a 2011 para 711 de 2011 a 2020. A produção desse material é majoritariamente dos Jogos Abertos do Interior, Jogos Regionais e demais torneios promovidos ou dos quais a Secretaria de Esportes participa. Para essa finalidade, conta com um profissional específico.

Referências Bibliográficas

PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um pouquinho: algumas reflexões sobre a ética na História Oral. Projeto História – Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados de História, São Paulo, v. 15, p. 13-49, 2012. 

ROQUE, Zuleika Stefânia Sabino. A cidade, o futebol e o trabalho: memórias sobre o futebol de fábrica São José dos Campos 1920-2010. 2012. 253 f. Tese (Doutorado em História) — Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012. 

ROQUE, Zuleika Stefânia Sabino; FRAGA, Estefânia Knotz Canguçú; ZANETTI, Valéria. O campo das mulheres: pequeno ensaio sobre o futebol feminino em São José dos Campos. In: GUIMARÃES, Antônio Carlos. São José dos Campos: cotidiano, gênero e representação. São José dos Campos: UNIVAP, 2014. p. 175-187. 

VIEIRA, Enny Moraes; ROQUE, Zuleika Stefânia Sabino Roque. Do escanteio para o meio da área: em busca da visibilidade e respeito ao futebol feminino brasileiro. In: MARTA, Felipe Eduardo Ferreira; MUSSI, Leila Maria Prates Teixeira; CARDOSO, Berta Leni Costa (org.). História do esporte: cultura, política, gênero e economia. Goiânia: Kelpes, 2017. p. 65-84. Coleção MovimentAção: debates e propostas. v. 3. 

Zuleika Stefânia Sabino Roque
Pesquisadora do futebol de mulheres em São José dos Campos, é Mestre e Doutora em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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