Podcast Futebóis – T2 | Ep1: A mulher que gosta de futebol: Leila Silveira e a Rádio Mulher

Ilustração com o título do episódio

 

Voz da narradora Renata Silveira
Escanteio cobrado, bola picando pelo meio, toque e cabeçaaaaa, Kanuu, GOOOOOOLLLLLLLL do Botafogo [1]”.


Voz de Taiane Anhanha Lima
Jornalistas esportivas estão ocupando cada vez mais espaço nas narrações, nos comentários e em reportagens sobre o futebol. A voz que acabamos de ouvir é da jornalista Renata Silveira em uns dos primeiros gols narrados por uma mulher em um jogo de futebol masculino na maior emissora de televisão do Brasil, o Grupo Globo. 
 

Mas ser profissional nesse meio não é nada fácil. Comentários como “elas não entendem de futebol” ou “não gosto de ouvir narração de mulheres” se repetem por aí, na tentativa de diminuir a competência das jornalistas. Além disso, elas são alvos frequentes de assédio, mesmo em frente às câmeras, como aconteceu em setembro de 2022 com Jéssica Lima, repórter esportiva da ESPN. No exercício do seu trabalho, ao vivo, ela foi beijada no rosto por um torcedor, sem o seu consentimento. 

Se é difícil agora, imagina 50 anos atrás? Você já parou para pensar em quem foram as mulheres pioneiras que desbravaram o jornalismo esportivo no Brasil? É o que vamos descobrir neste episódio. 


Locutora
Ministério da Cultura por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura e Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Governo do Estado de São Paulo realizam: Podcast Futebóis. Uma produção do Museu do Futebol. Segunda temporada, episódio 1: A mulher que gosta de futebol: Leila Silveira e a Rádio Mulher. 


Voz de Taiane Anhanha Lima
Você sabia que na década de 1970 existiu um programa de rádio feito exclusivamente por mulheres na cidade de São Paulo? E que esse programa narrava e comentava os jogos do futebol masculino? Eu vou te contar a história da Rádio Mulher.  

Mas antes quero me apresentar: eu sou Taiane Anhanha Lima, professora de História e pesquisadora, e fui uma das selecionadas no Edital de Jovens Pesquisadores lançado pelo Museu do Futebol em 2022. Esta temporada do Podcast Futebóis é o produto final do trabalho que eu desenvolvi ao longo de nove meses pesquisando o acervo do Centro de Referência do Futebol Brasileiro, o núcleo responsável pela pesquisa do Museu.  

O Centro vem digitalizando os acervos de várias profissionais pioneiras. Através das fotografias, recortes de jornais e entrevistas, a gente consegue montar esse quebra-cabeças e descobrir histórias incríveis. Muitas das informações vêm de recortes de jornal guardados pelas próprias personagens. Por isso, algumas informações se perderam – como o nome do jornal ou a data exata da publicação. 

Serão quatro episódios curtinhos para apresentar a história da Rádio Mulher. Vem com a gente aprender mais sobre a trajetória das brasileiras no jornalismo esportivo! Neste primeiro episódio, vamos falar da repórter de campo Leila Araújo Silveira de Andrade. 

Leila lendo um livro. Acervo Museu do Futebol - Coleção Leila Silveira. Direitos Reservados.
Matéria de revista sobre a Rádio Mulher. Acervo Museu do Futebol - Coleção Zuleide Ranieri. Direitos Reservados.

Locutor
“É meio difícil de acreditar, mas lá só tem mulher. São mulheres que irradiam, comentam e trabalham com o futebol. São mulheres na técnica, nas gravações, na sala de som”.  

Taiane Anhanha Lima
Na década de 1970, uma iniciativa inovadora nascia nos meios de comunicação do Brasil. Idealizada pelo empresário paulista Roberto Montoro, a Rádio Mulher tinha como objetivo transmitir programas voltados ao público feminino e feitos por mulheres. Em 1971, a emissora passou a ter um departamento esportivo – e foi assim que começou na cobertura do futebol masculino. Os jogos eram narrados, comentados, e muito bem analisados pelas profissionais da rádio. 

Mas, quem eram essas mulheres? Algumas eram ex-universitárias, outras tinham feito curso de arbitragem de futebol e a maioria era formada em Educação Física. Seus nomes: Zuleide Ranieri, que narrava os jogos; Léa Campos, que fazia comentários de arbitragem; Germana Garille, repórter de campo; Claudete Troiano, repórter e narradora; Leila Silveira, comentarista e repórter campo; e Semíramis Alves, também repórter de campo. Esse era o time principal da emissora.  

Locutor
A repórter de campo Leila se prepara. Ela tem como tarefa importante entrevistar os  jogadores logo que entram no gramado e manter a vigilância constante para comentar os lances, desfazer dúvidas, descobrir notícias [2].” 


Taiane Anhanha Lima
Você ouviu o trecho de uma matéria sobre Leila Araújo Silveira de Andrade escrita pelo repórter Antônio Marcello, no ano de 1974. Leila, que além de repórter de campo e comentarista, era advogada,
também ficou conhecida como Rosinha.

Um dos recortes de jornal que encontramos em seu acervo, também da década de 1970, é uma entrevista em que ela fala sobre sua vida, família e infância, afirmando que teve uma criação diferente. Leila teria sido educada como um “menino” e por isso gostava tanto de futebol. Aos 6 anos, foi com o pai assistir ao seu primeiro jogo profissional no Estádio Municipal Pacaembu [3] e, desde então, o esporte virou sua paixão.  

No final das partidas, era comum encontrá-la no meio do campo entrevistando os jogadores. No seu acervo, encontramos várias imagens de Leila em ação, empunhando seu microfone, na chuva ou no sol. Em algumas das fotografias, ela aparece falando com um ainda jovem Pelé, que na época já era craque e atuava pelo Santos Futebol Clube. Considerado um dos maiores jogadores da história do Brasil, Pelé atendia as mulheres primeiro, antes dos repórteres homens. Nas palavras da própria Leila, Pelé dizia:  

Locutora
“Ele dizia: ‘Ladies First’ e nos atendia [4].” 

Leila entrevistando Pelé no gramado. Acervo Museu do Futebol - Coleção Leila Silveira. Direitos Reservados.
Leila em um campo de futebol em dia de chuva. Acervo Museu do Futebol - Coleção Leila Silveira. Direitos Reservados.

Taiane Anhanha Lima
Mas nem tudo era facilitado pelo cavalheirismo. A gente descobriu na pesquisa que
as jornalistas da Rádio Mulher eram proibidas de entrar nos vestiários masculinos, por ser o espaço onde os jogadores estariam… hmmm… mais à vontade. Segundo uma reportagem do Jornal dos Sports da década de 1970, elas:  

Locutor
“Tinham algumas limitações para desempenhar as suas atividades – não podem, por exemplo, entrar nos vestiários para fazer entrevistas [5]…”. 

Taiane Anhanha Lima
Leila também era crítica quanto a sua função. Em uma entrevista, nos anos 1970, de um recorte guardado sem o nome do jornal, ela declarou que:  

Locutora
“O homem sempre lidera, a mulher sempre foi um adorno. A nossa posição é sempre limitada: sorrir mais, sorrir menos, falar mais suave no rádio e escrever pouco nos jornais” 

Taiane Anhanha Lima
É interessante observar o quanto essa fala questiona o tratamento dado às mulheres no jornalismo esportivo naquele momento. A ideia de que a mulher deveria apenas cuidar dos afazeres doméstico e dos filhos – ou seja, ser bela, recatada e do lar – era quase uma norma. 
 

Elas eram consideradas como coadjuvantes e precisavam se preocupar em como agir e se comportar. A Rádio Mulher tentou quebrar essa condição, fazendo das mulheres protagonistas das suas vozes e posicionamentos. Mas também não era tão simples.  

Locutor
A cada mulher a mais no estádio, um palavrão a menos”.  

Taiane Anhanha Lima
Esse era o slogan principal da Rádio Mulher e olha que curioso: ele não deixa de explorar a imagem das mulheres da época como seres delicados e gentis que não poderiam ouvir ou falar palavras consideradas agressivas – idealização que existe até hoje. 

Em mais uma das fontes encontradas no acervo de Leila, temos a comprovação de seu reconhecimento e talento, pois ela ganhou o prêmio de “Revelação Feminina” do “Troféu Gandula”. Essa premiação existiu na década de 1970 em São Paulo e na época homenageava personalidades do esporte paulista. Na imagem da matéria, diversos homens são os premiados e em meio a eles, está Leila.   

Ela é uma das mulheres jornalistas pioneiras no meio esportivo, que merece ter sua história registrada e conhecida, assim como todas as integrantes da Rádio Mulher.  

Leila em um estádio de futebol segurando um microfone. Acervo Museu do Futebol -Coleção Leila Silveira. Direitos Reservados.

Créditos

Em fevereiro de 2022, o IDBrasil Cultura, Educação e Esporte, organização social que administra o Museu do Futebol, lançou um edital para Jovens Pesquisadores e Pesquisadoras com o foco no protagonismo feminino no futebol brasileiro. Esse podcast é resultado da pesquisa de uma das bolsistas – eu, Taiane Anhanha Lima, que roteirizei esta temporada. No site do Museu (www.museudofutebol.org.br) vocês podem encontrar a transcrição deste episódio e também algumas imagens que o ilustram. Até a próxima! 

Locutora
A Temporada 2023 do Museu do Futebol é realizada pelo Ministério da Cultura, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, e conta com o Patrocínio Máster do Banco Bmg; o patrocínio de Goodyear, Rede, Sabesp e Farmacêutica EMS, além do apoio do Mercado Livre. São empresas parceiras Evonik Brasil e Banco Safra.  

O Museu do Futebol é um equipamento da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Governo do Estado de São Paulo. 

Esta temporada do Podcast Futebóis teve roteiro de Taiane Anhanha Lima e revisão da equipe do Museu do Futebol Marcel Diego Tonini e Renata BeltrãoFiorela Bugatti   

Locução: Taiane Anhanha Lima, Ana Carolina Finardi e Paulo Silva
Direção de estúdio e edição: Juliano Vieira
Produção técnica: A Toca Cooperativa Audiovisual 

Notas

[1]  https://www.youtube.com/watch?v=MGxyVtaC34M. Acesso em: 12 out, 2022.

[2] Antônio F.B. Marcello. Voz fina no jogo brutoAcervo Museu do Futebol | Coleção Leila Silveira | Direitos Reservados. 

[3] Marlene dos Santos. Leila: a menina vestida de cowboy, a mulher que gosta de futebol. Acervo Museu do Futebol | Coleção Leila Silveira | Direitos Reservados. 

[4] Idem

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