Ilustração de uma rua cinzenta, com uma pessoa vestindo uma camisa listrada de vermelho e preto.

Por Matheus Dias

A rua está mais vazia que de costume, mas dessa vez ele sabe porquê. Deve estar quase na hora. Há que ritualizar, preparar seu salão. Dispõe o espaço de praticamente um metro quadrado, escondido entre dois canteiros de concreto e um carro estacionado atrás. Um inoportuno poste num canto esquerdo a tomar-lhe 20 centímetros (mediu uma vez) e um bueiro –  que testou sua fé na época que eles se transformaram em bombas relógio – compõem a estrutura da casa improvisada numa estreita rua da zona sul do Rio de Janeiro. Gosta desse cantinho, especificamente, apesar dos pesares e da falta de cobertura atrapalhar em dias de chuva.

Ama o futebol como qualquer outro e bem sente falta de não poder se meter em descompromissadas peladas pela orla da praia. Culpa dum ferimento maltratado na perna direita, de quando morou uns dias numa obra mal fiscalizada. Quando o pegaram, teve de correr em meio aos entulhos e uma viga de aço enferrujada lhe atravessou a canela. Era um bom ala quando não estava de porre e nos dias que almoçava.

A peleja deve estar pra começar, quem não está em casa escolheu um bar para acompanhar. Ele senta em sua poltrona de praia, estende em um dos canteiros a surrada camisa do Flamengo, cuidadosamente retirada de seu armário de alças, e cruza as mãos. Resta esperar. Não consegue ver o jogo sem tomar um pilequinho, e dado o nervosismo desse em especial, pelo que ouviu de taxistas no ponto do bicho, ninguém lhe ouvirá as
súplicas enquanto o cronômetro estiver rodando. Mais vale acompanhar por gritos desesperados vindos das janelas ou apressados moradores que passem pelo seu quintal, sempre conferindo o relógio ao perceberem o olhar:

– Quanto tá o jogo?

– Não sei.

Sempre atrasados a um compromisso.

Anoitecendo, finda a batalha, ele rodearia os bares a colher os louros da vitória ou a tragédia da derrota. Vestido como todos, não seriam grandes as dificuldades de conseguir uma dose com um porteiro aqui, outra com um doutor ali. Estava pronto a encarnar o papel que o destino escolhesse. Derrotado, vai chorar entre soluços de marmanjos e donzelas abraçados, repassando cada detalhe dos erros cometidos por hesitosas pernas tropeçando pela grama. Vai fazer sessões de análise em tormentosas almas esvaziadas pela perda irreparável. Mas se viesse a vitória. Ah, se vier a vitória! Sua cabeça rolando pelo Maracanã! Vai sambar por todos os becos, vai acompanhar os infinitos replays a cada parada, vai fazer milhares de amigos pela noite. Ninguém tira a festa desse ilustre torcedor.

 

2º lugar no Concurso de Crônicas do Museu do Futebol – 2022