Domingos da Guia
- Domingos Antônio da Guia
- O Divino Mestre
Clubes e Federações
Quando | Onde | Atuação |
---|---|---|
1929-1932 | Bangu | Zagueiro(a) |
1932-1933 | Vasco da Gama | Zagueiro(a) |
1934 | Vasco da Gama | Zagueiro(a) |
1935-1936 | Boca Juniors | Zagueiro(a) |
1936-1943 | Flamengo | Zagueiro(a) |
1938 | Seleção Brasileira Copa do Mundo 1938 | Zagueiro(a) |
1944-1947 | Corinthians | Zagueiro(a) |
1947-1949 | Bangu | Zagueiro(a) |
Textos
Na primeira metade da década de 1890 um casal chegou a Bangu, bairro situado nos arredores do Rio de Janeiro, Brasil – então, a capital federal. Antônio José da Guia e Maria Pereira Ramos haviam se casado em 25 de julho de 1891, na cidade de Maxambomba (hoje correspondente à região central da cidade de Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, Brasil). Tão logo chegou a Bangu, o casal começou a ter a sua prole, que chegaria a doze filhos: cinco mulheres e sete homens.
O filho caçula da família veio ao mundo em 19 de novembro de 1911, no Rio de Janeiro, em Bangu, como seus irmãos, e foi batizado Domingos Antônio da Guia. A origem do sobrenome é polêmica: seu pai já se chamava Antônio José da Guia, mas “da Guia” tem duas possíveis explicações. Uma refere-se à Igreja de Nossa Senhora da Guia, datada do século XVIII, localizada no município de Mangaratiba, Rio de Janeiro, Brasil; a outra lembra um sobrenome existente em registros de terra da Imperial Fazenda de Santa Cruz, importante na região.
Seja qual for a origem de seu sobrenome, Domingos da Guia teve o futebol presente em sua vida desde a infância. Não só por sua própria experiência, começando a jogar ainda criança, com bolas de pano, próximo à Igreja de São Sebastião e Santa Cecília, em Bangu, mas também porque dois de seus irmãos mais velhos, Luiz Antônio e Ladislau, eram jogadores do Bangu AC. Com sua carreira nos profissionais do Bangu iniciada em 1912, Luiz Antônio foi um jogador bastante elogiado, pela lealdade em campo – segundo o próprio patriarca dos da Guia, “igual a Luiz, nem Mingo”.
Já a carreira de Ladislau foi mais aproximada de Domingos. Começando a jogar em 1922, Ladislau não só atuava no Bangu, mas também participava do Júlio César Futebol Clube, equipe amadora em que Domingos começou a atuar mais seriamente, junto de outro irmão, Mamede da Guia (mais conhecido como “Médio”). O combinado foi batizado assim por jogar na Rua Júlio César, em Bangu.
Finalmente, Domingos da Guia seguiu os passos de Luiz Antônio e Ladislau. Ainda fez um teste no CR Vasco da Gama, antes de chegar ao Bangu, em março de 1929. Não demorou muito tempo e já começou a jogar entre os profissionais, junto de Ladislau e Médio; já aposentado, Luiz Antônio continuava trabalhando no Bangu. A estreia de Domingos se deu numa partida contra o CR Flamengo, com vitória do Bangu por 3 a 1. Aos poucos, o jovem começou a ser elogiado pela grande técnica que apresentava em campo, atuando na defesa.
Ao mesmo tempo, era um jogador que começava a tornar debatidos os preconceitos existentes em relação aos negros, no futebol, junto de Fausto e Leônidas da Silva. Jogando em partidas amistosas, nas quais um combinado de jogadores brancos enfrentava outro de atletas negros (algumas dessas partidas eram feitas para celebrar a Lei Áurea), Domingos da Guia chamava a atenção pelo talento, numa época em que jogadores negros ainda não podiam aspirar a jogar em clubes da Zona Sul carioca, como o Flamengo e o Fluminense FC.
Em 1930, com as excursões do Bangu a outros estados, como Bahia e Minas Gerais, Domingos da Guia continuou sendo fartamente elogiado pela imprensa. Além disso, chegou a ser cogitado como um dos possíveis convocados para a Copa do Mundo disputada naquele ano (bem como o irmão Ladislau), mas foi preterido: Zé Luiz e Brilhante (Alfredo Brilhante da Costa) foram os zagueiros convocados pelo comandante da comissão técnica, Píndaro de Carvalho.
No ano seguinte, Domingos teve uma grande frustração, ao não ser liberado pelo Bangu para unir-se ao Vasco da Gama em uma excursão à Europa. Ainda assim, 1931 ficou marcado em sua carreira, por sua estreia na Seleção Brasileira, em 2 de julho, num amistoso contra o Ferencvaros TC, da Hungria. E, na sua segunda partida pelo Brasil, contra o Uruguai, pela Copa Rio Branco, em 6 de setembro, no estádio de São Januário, Domingos da Guia se fez notar definitivamente pelo talento: numa jogada em que era pressionado pelo atacante Pablo Dorado, Domingos livrou-se do oponente com um drible, em plena área de defesa brasileira. Segundo relatos da imprensa, houve quem falasse “Eu vou mandar dourar esse crioulo!”. O Brasil venceu por 2 a 0.
Em 1932, a discussão sobre a adoção do profissionalismo no futebol brasileiro tomava conta do ambiente. Ao mesmo tempo em que muitos criticavam-na, alguns achavam que seria uma boa iniciativa para evitar atitudes consideradas hipócritas. Domingos, após um período de hesitação, passou a defender o profissionalismo: “Se eu for convidado a atuar num clube de profissionais, com vantagens, repito, abandonarei o amadorismo. Não me envergonharei de ser profissional”.
Sua vontade em tornar-se profissional trouxe problemas: ainda em 1932 ele negociou sua transferência para o América FC, do Rio de Janeiro. No entanto, este mesmo clube tinha problemas semelhantes com Leônidas da Silva, que também desejava se transferir. Além disso, vigia a Lei de Estágio, segundo a qual um jogador que mudasse de equipe teria de passar um ano na reserva do novo clube. Como boatos diziam que ela estava para cair, Domingos da Guia empenhou-se na transferência. Mas, como nem América nem Bangu desejavam-na, a negociação foi frustrada. Até que, no mesmo ano, o Vasco da Gama apareceu para contratá-lo. Enfim, o zagueiro deixou o Bangu.
No Vasco, formando a zaga com Itália (Luis Gervazzoni), Domingos da Guia conseguiu a titularidade, depois de algum tempo. Entretanto, continuava tendo problemas de adaptação relacionados à sua posição favorável ao profissionalismo. Aí entrou o convite do Club Nacional de Fútbol, do Uruguai, já em 1933. Encantados pelas boas atuações de Domingos da Guia na Copa Rio Branco, e já vivendo em um profissionalismo incipiente, os dirigentes do clube contrataram Domingos, que foi para Montevidéu em 16 de fevereiro de 1933, logo depois de defender o Andaraí em um amistoso na Bahia.
No Nacional, Domingos fez a fama definitiva. Não só conquistou seu primeiro título, o Campeonato Uruguaio de 1933, mas também conquistou a torcida do Nacional, ganhando o apelido de “Divino Mestre”. A imprensa uruguaia celebrava o jogador: o jornal El Día comentava que Domingos era “a perfeição apurada da defesa”. Todavia, em 1934, antes mesmo da decisão do Campeonato Uruguaio, de volta ao Rio, Domingos assinou contrato com o Vasco da Gama.
O Nacional pediu pelo seu retorno, para cumprir o contrato, mas não obteve sucesso. Em contrapartida, recusou ofertas da CBD (Confederação Brasileira de Desportos) pelo passe do jogador, que não disputou a Copa de 1934 por esse problema. Enfim, o zagueiro ficou no clube de São Januário até o ano seguinte, quando o CA Boca Juniors, da Argentina, passou pelo Brasil, para uma excursão. O técnico Mário Fortunato interessou-se pelas atuações de Domingos e emissários do Boca Juniors fecharam contrato com ele.
Chegando a Buenos Aires em março de 1935, novamente Domingos da Guia conquistou uma torcida estrangeira e rapidamente o Boca Juniors rendeu-se ao talento do zagueiro. Logo após sua estreia pelo time, num jogo pelo Campeonato Argentino contra o CA Vélez Sarsfield, o jornal El Mundo citou: “Com uma tranquilidade e oportunismo que mostram um jogador de classe, interceptava ataques e apoiava um companheiro melhor colocado... Domingos sempre sai com a bola, sem esforço aparente”. E o Boca Juniors conseguiu a consagração final, sendo campeão argentino de 1935.
Mas a passagem pelo Boca Juniors foi bruscamente interrompida em julho de 1936: após insultar um árbitro, Domingos da Guia foi suspenso pela AFA (Associação de Futebol Argentina) por seis meses. Desde então começaram as tratativas para seu retorno ao futebol brasileiro, mais precisamente para o Flamengo. O Boca permitiu o retorno, para que Domingos mantivesse o ritmo de jogo antes de voltar ao clube argentino. Só que o zagueiro rapidamente caiu nas graças dos flamenguistas. O clube, então, acertou a contratação em definitivo de Domingos, em 1937, pagando ao Boca Juniors 50 contos de réis.
Altamente valorizado, Domingos da Guia tornou-se um dos principais jogadores do Flamengo. Mantendo o ótimo nível técnico, foi convocado para a Copa do Mundo de 1938, como capitão da Seleção Brasileira. Porém, uma jogada marcou-o negativamente: na semifinal da Copa, contra a Itália, ao disputar uma bola, Domingos foi chutado pelo atacante italiano Silvio Piola, dentro da área. Irritado, revidou o pontapé. Porém, o árbitro Wutrich viu somente o revide. E apitou o pênalti. Giuseppe Meazza converteu-o e a Itália tornou-se finalista, vencendo por 2 a 1. O erro de Domingos deu origem a uma gíria no futebol brasileiro: a cada vez que um zagueiro errasse, sua falha seria chamada de “domingada”.
Domingos da Guia retornou ao Flamengo, onde continuou sendo elogiado. Venceu quatro Campeonatos Cariocas: 1939, 1942, 1943 e 1944. Já consagrado como um dos personagens principais do primeiro tricampeonato estadual da história flamenguista, Domingos da Guia decidiu transferir-se para o SC Corinthians Paulista. Não ganhou nenhum título pela equipe, mas também manteve intacto o status que já tinha, então, de maior zagueiro da história do futebol brasileiro.
Em 1948, Domingos retornou ao Bangu, para encerrar a carreira. Depois de parar de jogar, permaneceu morando no bairro onde nasceu. Foi o principal conselheiro dos primeiros passos do filho, Ademir da Guia, que começou a carreira também no Bangu, mas consagrou-se na SE Palmeiras, sendo considerado o melhor jogador da história do clube.
Domingos da Guia morreu no Rio de Janeiro, aos 88 anos, em 18 de maio de 2000.
REFERÊNCIAS
- HAMILTON, Aidan. Domingos da Guia: o Divino Mestre. Rio de Janeiro, Gryphus, 2000.
- DUARTE, Marcelo. MENDES, Mário. Enciclopédia dos craques. São Paulo, Panda Books, 2010.
- MÁXIMO, João. CASTRO, Marcos de. Gigantes do futebol brasileiro. São Paulo, Civilização Brasileira, 2011.