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Mulheres no jornalismo esportivo: passado e presente. Podcast futebóis


Voz de Taiane Anhanha Lima
As pioneiras do jornalismo esportivo nos anos 1970 pavimentaram um caminho importante, mostrando que era possível ser mulher e trabalhar com o esporte. Mas e atualmente, já podemos falar em igualdade no jornalismo esportivo?
Eu sou Taiane Anhanha Lima, professora de História e pesquisadora, e fui uma das selecionadas no Edital de Jovens Pesquisadores lançado pelo Museu do Futebol em 2022.  Esta temporada do podcast Futebóis é um dos resultados desse trabalho. Nos episódios anteriores a gente falou sobre a história da Rádio Mulher e sobre as barreiras às mulheres negras na imprensa esportiva. Agora, vamos falar sobre como o machismo afeta a cobertura esportiva ainda hoje. 

As mulheres devem estar onde quiserem e se sentirem mais à vontade – e isso inclui o jornalismo esportivo. Seja acompanhando futebol feminino ou o masculino, as profissionais devem ser respeitadas em qualquer espaço. Como vimos nos episódios anteriores, a iniciativa da Rádio Mulher contribuiu nessa caminhada, merecendo todo o reconhecimento por sua coragem e história. Mas as dificuldades que elas passavam lá atrás permanecem no cotidiano das profissionais de hoje. Ainda são muito comuns os comentários que descredibilizam mulheres jornalistas e os casos de assédio no exercício do trabalho. Neste episódio, vamos debater um pouco mais sobre essa realidade.  

Renata Silveira veste o uniforme da Globo e SportV, que é uma camisa azul escura tipo polo de mangas compridas. Ela tem cabelo escuro, longo, e segura o microfone perto do rosto.

Voz de Renata Silveira
“A narração acho que era o que faltava ainda, né?! O último estágio. Então assim, a gente via muito nos programas de TV a mulher lá com o tablet na mão, olhando rede social, esse era o papel da mulher quando tava falando de futebol. E aí, apresentadora e repórter já mais aceitável assim da galera normalizar e tal. Aí começaram as comentaristas e aí… “O que essa mulher tá fazendo aí?”, “Mulher não pode comentar futebol”, “Mulher falando sobre futebol?”, “Tira essa mulher daí!” A Ana Thais Matos foi uma que abriu todas as portas para eu estar aqui hoje, né?! Se eu aqui hoje, é porque a galera que comenta abriu as portas primeiro: ela, a Renata Mendonça e todas as próximas que vão chegar. E eu acho que o tava faltando era isso. E realmente é o que mais causa estranheza, né?! Porque a gente tá ali 100%. A gente tá comandando uma transmissão, nós somos os maestros da transmissão, a gente que tá contando a história. Então assim, é 90 minutos o cara me ouvindo falar, sabe?! O cara às vezes escutava a voz da repórter, ou alguém que fazia ali o pré-jogo, ou uma mulher que entrava ali com uma informação ou outra. Aí depois começou a comentar. Então assim, a voz feminina foi ficando mais comum dentro de uma transmissão, mas do jeito de uma narração?” [1] 

Taiane Anhanha Lima
Esse relato é de Renata Silveira, a voz que ouvimos narrando um gol no primeiro episódio desta temporada. Narradora do Grupo Globo, exerce seu trabalho na transmissão de diversos jogos e campeonatos. Sua voz é uma novidade no meio esportivo e ainda causa estranheza para alguns, sendo alvo constante de críticas e comentários negativos. 
 

Na Rádio Mulher apesar de terem realizado um trabalho competente e inovador, elas também tiveram que ouvir comentários machistas e preconceituosos. Não foi fácil para aquelas mulheres, assim como não é hoje.  

Encontramos uma entrevista do repórter esportivo da Agência Folha, José Campos da Silva, dos anos 1970, em que ele disse faltar preparo das mulheres para cobrir o futebol. Silva fez diversas críticas à forma pela qual elas falavam do esporte e dos jogadores. O mesmo repórter cita um caso polêmico protagonizado pelo técnico Telê Santana. Segundo o relato, Telê reagiu assim quando foi criticado por uma jornalista mulher durante uma transmissão: 

Locutor
“Não tem importância, essa mulher saiu diretamente da cozinha para a cabine de rádio”
[2]  

Taiane Anhanha Lima
Vamos pensar um momento sobre essa colocação machista. A estratégia para desqualificar o trabalho da jornalista é afirmar que seu lugar é no ambiente doméstico, na cozinha, e que por isso as críticas delas não têm relevância.
 

Fazer um paralelo com a atualidade é inevitável, pois associar as mulheres ao ambiente doméstico continua sendo uma das formas mais comuns de atacar o trabalho de profissionais em vários setores. Em 2018, por exemplo, Eduardo Bueno, jornalista e historiador gaúcho, utiliza basicamente a mesma expressão para se referir a uma colega jornalista, dizendo que ela deveria  

Voz masculina
“Voltar para cozinha, de onde não deveria ter saído”
[3]
 

Depois, ele acabou tendo que pedir desculpas. Pelo menos, isto mudou: a resistência das mulheres é o que permitiu construir um caminho de inclusão na história do futebol. resistência e construção. São elas que, mesmo em meio às críticas, deboches e piadas de outros repórteres e torcedores, se fizeram e se fazem ouvidas nas narrações e comentários, inspirando outras e acolhendo o público feminino no ambiente esportivo. 

Cito aqui algumas iniciativas e propostas interessantes do jornalismo feminino no esporte, ocupando, resistindo e demonstrando coragem nesse espaço. 

Imagem em preto e branco com compilado de fotos de jornalistas mulheres. Elas vestem preto e estão sérias. Sobre a imagem a frase #DixaElaTrabalhar

Taiane Anhanha Lima
Uma delas é a campanha #DeixaElaTrabalhar, lançada em 2018, que contou com um grupo de cerca de 50 jornalistas mulheres de todo o país. Elas lançaram um vídeo relatando os assédios e as ameaças que já sofreram trabalhando no ambiente esportivo. O objetivo da campanha era lutar contra o assédio moral e sexual sofrido por elas nos estádios, nas ruas e nas redações. [4]  

Também há as Dibradoras, um canal de mídia independente feito somente por mulheres, que produz conteúdo desde o ano de 2015 sobre o protagonismo feminino no esporte, incluindo futebol [5]. Neste ano de Copa do Mundo do Futebol Feminino, 2023, as Dibradoras produziram uma cobertura especial e atenta da Seleção Brasileira.  

Com as emissoras, canais e produtoras reconhecendo e possibilitando o espaço necessário, será cada vez mais comum vermos mulheres comentando, narrando e participando do futebol. Mas acima de tudo, esperamos respeito e dignidade a todas as mulheres nos espaços esportivos. 

 

Créditos

Em fevereiro de 2022, o IDBrasil Cultura, Educação e Esporte, organização social que administra o Museu do Futebol, lançou um edital para Jovens Pesquisadores e Pesquisadoras com o foco no protagonismo feminino no futebol brasileiro. Esse podcast é resultado da pesquisa de uma das bolsistas – eu, Taiane Anhanha Lima, que roteirizei esta temporada. No site do Museu (www.museudofutebol.org.br) vocês podem encontrar a transcrição deste episódio e também algumas imagens que o ilustram. Até a próxima! 

Locutora
A Temporada 2023 do Museu do Futebol é realizada pelo Ministério da Cultura, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura, e conta com o Patrocínio Máster do Banco Bmg; o patrocínio de Goodyear, Rede, Sabesp e Farmacêutica EMS, além do apoio do Mercado Livre. São empresas parceiras Evonik Brasil e Banco Safra.  

O Museu do Futebol é um equipamento da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Governo do Estado de São Paulo. 

Esta temporada do Podcast Futebóis teve roteiro de Taiane Anhanha Lima e revisão da equipe do Museu do Futebol Marcel Diego Tonini e Renata BeltrãoFiorela Bugatti   

Locução: Taiane Anhanha Lima, Ana Carolina Finardi e Paulo Silva
Direção de estúdio e edição: Juliano Vieira
Produção técnica: A Toca Cooperativa Audiovisual 

Notas

[1] “Ana Thais abriu as portas para eu chegar aqui”. Link: https://www.youtube.com/watch?v=SKQrVS1pYNg. Tempo: 0:05-1:22. 

[2] Antônio F.B.Marcello. Voz fina no jogo brutoAcervo Museu do Futebol | Coleção Leila Silveira | Direitos Reservados. 

[3] Eduardo Bueno, o Peninha, pede desculpas por piada machista no programa Sala de Redação. Disponível em: https://www.torcedores.com/noticias/2018/04/eduardo-bueno-o-peninha-pede-desculpas-por-piada-machista-no-programa-sala-de-redacao. Acesso em: 05 de novembro de 2022. Acesso em: 05 de novembro de 2022. https://www.facebook.com/GZHdigital/videos/10151195847889956 (8 minutos em diante).  

[4] El País. #DeixaElaTrabalhar: a nova investida de mulheres jornalistas contra o machismo. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/03/23/politica/1521823054_844544.html. Acesso em: 7 de novembro de 2022.

[5] https://dibradoras.com.br/. Acesso em: 6 de novembro de 2022. 

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